Falei com a neta de uma senhora que fazia partos em casa. A meio do Séc.XX poucos tinham transporte próprio. Entre as aldeias e o hospital mais próximo ia uma distância que nem sempre era possível percorrer. As gestantes arriscavam a sua e a vida dos filhos que carregavam no ventre com toalhas limpas, bacias de água quente e orações. "Não tinha medo porque sabia que estávamos nas mãos de Deus". Disse-me ela.
No tempo em que Deus ainda tinha os seus filhos nas mãos, a visa era simples e o mundo respirável. Os avanços tecnológicos eram lentos e demoravam a chegar. O mundo que era grande e desconhecido estava então nos livros que poucos sabiam ler e nas viagens que nem a imaginação lhes permitia fazer. No tempo em que tudo era milagre ou maldição, a fé e o temor num velho de barbas brancas sentado sobre as nuvens ditava os dias e apaziguava as noites. Fazer perguntas era uma afronta, pois Deus não gostava de dar respostas. "No dia em que os homens souberem tanto quanto Deus, é o fim do mundo", diziam os antigos. Hoje, época em que já tanto se conhece e os homens sabem quase tanto quanto Deus, talvez não estejamos perante o fim do mundo, mas estamos num ponto de viragem para um novo mundo.
Da Alemanha chegam-nos notícias de que foi legalizado o incesto, no Canadá legalizou-se a zoofilia (sexo com animais), e também no Canadá já é possível aos nascituros, o registo sem definição de género. Por todo o mundo vence a ideologia de Género que permite aos homens serem mulheres, às mulheres serem homens e, em primeira instância, o que eles quiserem. Podemos pois, parir um bebé que mais tarde quererá ser um repolho ou um pé de salsa. Tanto faz. No mundo de hoje em que se mercantiliza a vida e tanto se compram recém-nascidos como bens num supermercado, perdeu-se a batalha contra a venda de humanos para o tráfico de órgãos. Neste mundo de gaiolas douradas, em que nos digladiamos por um salário miserável, perdemos a batalha contra as senzalas, o trabalho a troco de pão e água. Neste mundo em que nos colocamos na montra para sermos apreciados e desejados, perdemos a batalha contra a escravização sexual. Neste mundo em que a ciência avança para a cura de tantas doenças mas nos recusamos a lutar até ao fim, perdemos a batalha contra a eutanásia. E num mundo que valoriza tanto a ascensão total e os sinais exteriores de riqueza, desvalorizamos a vida e a sua essência e perdemos a batalha contra o aborto. Perdemos a batalha em favor da humanidade. Já não estamos nas mãos de Deus. Há muito que o mandámos embora e se hoje ainda teimamos em culpá-lo pelas nossas desgraças, é porque também perdemos a batalha contra o cinismo. Não deixámos de crer em Deus porque nos tornámos auto-suficientes, ou mais espirituais, adeptos da New-Age. Não. Deixámos de crer em Deus porque para além de tudo o resto em que nos tornámos e que em nada abona em nosso favor, também nos tornámos cínicos. A mim, que ainda não me deixei apanhar pela corrente, haja Deus para me dar a mão. É na mão D'ele que ainda me vou sentindo segura. Nas mãos dos homens é que não confio. Quando me dizem que agora é que a humanidade vai evoluir porque deixámos a Era de Peixes e entrámos na Era de Aquário, não fico mais tranquila. Eu sei que a Era de Peixes era a de Jesus Cristo. E a de Aquário, de quem é? A mim parece-me que esta é a Era do Mal.
Ana Kandsmar
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