Hoje saí. Ao fim de 3 dias de casa já estava a atrofiar. Saí cedo, antes que se instalassem os 37.º previstos. As recomendações terapêuticas indicavam as caminhadas como parte da minha recuperação. Era isso que ia fazer, caminhar. Vesti roupa confortável e calcei os ténis da ginástica a que já não vou desde há quase 2 anos.
Não costumo passear de manhã, a um dia da semana, pelas ruas da urbanização onde moro há quase 20 anos. Sozinha, sem nada nem ninguém a apressar-me, pude apreciar cada espaço, cada som, cada cheiro. Espaços, sons e cheiros que bom começo mas a que raramente presto atenção.
Moro numa urbanização relativamente plana, cujo traçado das ruas, em quadrícula ortogonal permite percursos longos mas algo monótonos pois os edifícios de apartamentos são todos iguais e desinteressantes. A orientação este-oeste dos arruamentos torna-os luminosos, banhados pelo sol nascente. A cidade romana de Conímbriga, a pouco mais de 1 km de distância, bem podia ter inspirado o traçado desta urbanização e teríamos a praça (fórum) na interseção do cardo máximo, rua principal com traçado norte-sul, com o decumano máximo, com traçado este-oeste. Em vez disso temos uma praça entre 2 arruamentos. Adiante.
Opto por começar pela rua das moradias, junto à floresta.
Àquela hora apenas se ouviam os sons da natureza, a maioria das pessoas já tinha saído para os seus empregos e os miúdos para a escola, último dia de aulas! Hurra! A vivência é completamente diferente ao fim do dia em que a praça se enche de crianças e jovens, chegados da escola, a jogar à bola, a andar de bicicleta ou simplesmente a brincar no escorrega e as esplanadas se animam com gente para quem um dia de trabalho acaba melhor se for a conviver, com uma fresquinha na mão.
O chilrear cortava o silêncio. Constato que esta é a banda sonora do sítio onde moro. Maravilhoso. Não sou entendida em aves e não identifico os pássaros, apesar de perceber bem a diferença entre uma andorinha, uma garça, um corvo, uma águia e um pelicano, mas reparo que a fauna deve ser generosa pois apercebi-me de sons distintos: o chilrear cantarolado, um arrulhar de rola e uns estalinhos que um passarito fazia pousado num beirado. Ao longe ouvi cacarejar.
Ao meu passar as lagartixas fogem e escondem-se.
A zona das moradias é a mais verdejante, não só porque confina directamente com a floresta, onde no outono vamos apanhar medronhos e de onde saem trilhos que o meu marido percorre de btt nas manhãs de domingo, mas também porque os jardins exibem as mais diversas espécies de árvores. arbustos e demais vegetação ainda florida nesta altura do ano. Há jardins exuberantes na minha urbanização, alguns lembram os trópicos, bem ao estilo colonial, mas outros há bem mais autóctones. Um grande pinheiro manso sombreando uma casa branca recorda-me tempos de infância.
Continuo a caminhar e constato com agrado que mesmo nas ruas dos prédios o verde é uma constante. As grandiosas árvores que pontuam os passeios já têm a altura dos prédios de 4 pisos e as varandas e floreiras estão repletas de plantas. Há divisões em alguns apartamentos que nem devem ver a luz do dia tal a luxuriante vegetação que literalmente cobre as janelas. Há também nestes prédios autênticos jardins, de flores, de catos, catos de várias formas e tamanhos, outros com pequenas árvores e arbustos, outros ainda de ervas de cheiro. Na nossa floreira temos alecrim. Alecrim com perfume tão intenso e delicioso que é sempre usado nos assados e na linguiça regada com mel. Quando floresce aparecem abelhas...gosto de pensar que é este o nosso modesto contributo para a não extinção das abelhas.
O calor começava a apertar. Voltei para casa, queria acabar de ler "A ruína" de Jennifer Egan.
Autora
Margarida Veríssimo
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