Acredito que todas as mulheres têm outra mulher
pela qual, em algum momento das suas vidas foram trocadas. Essas, as que nos
levaram algum dia ao término de uma relação, se forem tão ou mais bonitas que
nós (e nós temos olhos na cara para ver isso) até compreendemos. (Não no
momento, mas mais tarde). Mas quando isso não acontece, quando o homem que
amávamos ou nos dava pelo menos a volta aos sentidos, nos troca por alguém
francamente pior, então esse facto transforma para todo o sempre, a outra, (a
ladra), numa "estampa". Uma croma purulenta, vurmosa e infecta. Eu
tenho uma "estampa". Ou duas. A minha amiga também tem uma e não deve
haver mulher que não tenha a sua. Até mesmo as próprias “estampas” são bem
capazes de ter um destes exemplares a assombrá-las, por mais difícil que isso
nos pareça. Mas confiando na lei de Murphy, temos que acreditar que há sempre
pior.
A primeira “estampa” que a vida me deu, foi há uns
bons anos atrás. Tinha então 15 anos. Era a minha primeira paixoneta, coisa de
adolescente e nunca passámos dos beijinhos. Mas eis que surgiu a primeira
larápia dos meus afectos. Era já na altura uma miúda feia, com um nariz
demasiado pontiagudo, demasiado sardenta, com uns olhos pequeninos e apagados.
Nada de interessante, portanto. Mas ela somou e seguiu e uma noite, em que eu
estava num bailarico da aldeia, cheia de esperança de o ver (a ele),
encontrei-o aos beijos com aquela coisa achinesada, atrás do palco de onde
ressoava a cacofonia pimba. Tudo bem. Tinha 15 anos. Facilmente parti para
outra, depois de ter chorado 3 dias seguidos. Não há muito tempo, encontrei-os
aos dois, também numa festa da aldeia, mas já não os vi aos beijos. Ele tinha
uma bebedeira descomunal e ela, ao nariz em forma de gancho e olhos mortiços,
somava um buço que vai daqui a Paris. Ele estava coxo, marreco, e com um rosto
enrugado e macilento, marca de muitas noites bem regadas a álcool. Nunca
largava a cerveja e ela agarrava-se ao balcão do bar improvisado, olhando para
ele de soslaio, volta e meia dizendo-lhe qualquer coisa. Parecia zangada. Até
que a “coisa” deu para o torto e ele deu-lhe um estalo tão grande que ela
rodopiou para o outro lado do balcão. Veio ajuda. Alguns homens agarraram-no e
ralharam-lhe por ele estar a fazer aquelas figuras tristes. Mas ele continuava
a falar alto e a chamar à mulher todos os nomes de que se lembrava. Até que
cambaleante, seguiu para casa com ela atrás. «Coitada.» Ouvi dizer, «Hoje é
mais uma noite em que ela vai apanhar e acabar a dormir na rua.» Foi quando me
lembrei dos meus 15 anos e daqueles 3 dias de pesar por ter sido preterida. Não
consegui deixar de sorrir quando pensei: “Abençoadas lágrimas. Esta levou-o,
mas não levou grande coisa.” Alívio. Alívio não, gratidão mesmo. Felicidade
extrema!
Ontem uma amiga, mostrou-me uma foto em que posava
alegremente a “estampa” dela. Fiquei chocada, horrorizada a olhar para aquilo.
A única imagem que me veio à cabeça foi a de um travesti que encontrei a deambular
pelas ruas do Porto, na década de 80. Podia jurar que se tratava da mesma
pessoa. Receei ter pesadelos ontem à noite. Se ao invés de loura (falsa), ela
tivesse o cabelo preto, podia bem passar pela matriarca da família Adams. E
isto levou-me (como era esperado), a recordar-me da minha estampa mais recente.
Outro “mistério da fé” que eu nunca vou perceber. É claro que eu não me acho
linda de morrer, nem tenho a pretensão de ser o máximo que algum homem pode
desejar (era o que faltava!), tenho plena consciência de que não subo ao pódium
dos cânones da beleza feminina, mas por amor da santa! Aquilo é pior que uma
albina! Aposto em como ele consegue ver-lhe a comida no percurso que faz da
garganta ao intestino grosso! Tem sinais na pele (até onde se pode ver), com
diâmetros que davam para fazer ringues de patinagem artística! O rosto é tão
parco em harmonia que me dá a sensação de que o Criador (faltando-lhe peças),
foi buscar aos falecidos, uma orelha aqui, outra ali, o nariz dacolá, o olho
direito deste e o esquerdo daquele…C’órror! E o gosto pela roupa e acessórios?
Será que ela não tem amigas? Sim, amigas de verdade que sejam capazes de lhe
dizer: “Querida, isso não te favorece…e é pindérico.” Enfim…
A minha amiga, a tal que foi trocada por um
travesti, que é bonita e tem um charme de fazer inveja, anda com a foto da sua
“estampa” no telemóvel. E a razão é muito boa: “Quando estou com uma crise de
auto-estima – confessou-me – olho para ela e sinto-me logo muito melhor.” Nunca
tinha pensado no quanto isto é terapêutico. Acho que vou fazer o mesmo à minha.
Download da foto que há tempos consegui apanhar no Facebook e sou capaz de ir
um bocadinho mais longe: imprimir e colar em pontos estratégicos da casa. Sei
que é cliché, mas é bem capaz de funcionar: uma na dispensa para afastar as
formigas e outra na casa de banho para me estimular o recto em dias de
obstipação. Fica bem mais económico do que o Dulcolac e o Activia e é bem capaz
de surtir o mesmo efeito.
Ana Kandsmar
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