Hoje o jantar vai ser
massada de peixe. Já se sente o aroma que o cherne e o tamboril libertam ao
serem envolvidos pelo refogado de cebola e alho, aromatizado com uma folha de
louro do quintal dos meus avós, a que se juntou uma generosa pernada de
coentros. Algum dos meus vizinhos vai jantar frango guisado com esparguete,
para outros o jantar será bife com molho de manteiga e cerveja: sente-se o
característico aroma a manteiga derretida com uma cabeça de alho a que se
adicionou uma porção de cerveja e que numa envolvência de sabores e texturas
criam o delicioso molho. Noutro apartamento há sardinhada, talvez tenham
visitas, o intenso cheiro a pimento assado na brasa dá agora lugar ao forte
odor a sardinha assada que se sobrepõe a todos os outros cheiros e aromas que a
brisa de fim de tarde transporta até nós.
Uma das
particularidades e maravilhas de Portugal é o seu cheiro, ou cheiros. São os
cheiros que se sentem e se distinguem conforme a zona, a hora do dia ou a
refeição a ser confecionada. É o cheiro a maresia no litoral, o cheiro a
lareira nas noites frias de inverno, o cheiro dos pinheiros, a ervas
aromáticas, a flores ou a relva acabada de cortar. É o cheiro a bolos pela
manhã quando percorro as ruas da baixa de Coimbra. O irresistível aroma a pão
acabado de sair do forno. Aquele cheiro inconfundível dos carris da linha de
comboio, que lembra férias e aventuras. O cheiro ainda morno, adocicado e envolvente
do outono. O cheiro a protetor solar no verão e o cheiro a cerveja e a ressaca
na semana da queima das fitas…
Há cheiros e sabores
em Portugal que conseguem concentrar em si toda a essência de uma estação do
ano, de um local ou de um acontecimento. As castanhas assadas encerram todo o
aroma do outono: o fumo da lareira e brasas onde são assadas, o cheiro
adocicado que se vai libertando ao serem assadas e depois na boca o quente,
suave, doce e encorpado sabor da castanha a pedir um copo de jeropiga. O cheiro
fresco e salgado a maré baixa numa praia com rochas, com toda a imensidão de
vida que se descobre à medida que o nível do mar baixa, o cheiro a mar, a limos
e algas, a crustáceos e moluscos, a anémonas, a ouriços e a estrelas-do-mar,
encontra o seu expoente nos percebes, aqueles crustáceos em forma de Alien, que
para além de cheirarem, também sabem a maré baixa.
Mas, para além dos
sugestivos cheiros, aromas e odores, o que acho realmente fascinante é que só
pelo cheiro conseguimos saber exatamente o que está a ser cozinhado. A riqueza
da nossa gastronomia produz uma variedade imensa de cheiros distintos e únicos,
perfeitamente identificáveis. Os cheiros chegam até nós através de chaminés,
portas e janelas abertas. São cheiros que se libertam de casas particulares, de
restaurantes, cafés ou cantinas. São cheiros que vagueiam pelas ruas e ruelas,
são cheiros que entram sorrateiramente em nossas casas e escritórios, são
cheiros que nos fazem querer tocar à campainha dos vizinhos e ficar à espera de
sermos convidados para a refeição…
E nós, portugueses,
gostamos tanto do cheiro a alimentos que até fazemos livros com cheiro a algo
comestível, literalmente! Quem, como eu, já se deliciou a ler os livros com
cheiro a baunilha, banana, morango, chocolate, canela e caramelo?!
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