sexta-feira, 4 de agosto de 2017

OPINIÃO | Cheira bem, cheira a... | MARGARIDA VERÍSSIMO

Hoje o jantar vai ser massada de peixe. Já se sente o aroma que o cherne e o tamboril libertam ao serem envolvidos pelo refogado de cebola e alho, aromatizado com uma folha de louro do quintal dos meus avós, a que se juntou uma generosa pernada de coentros. Algum dos meus vizinhos vai jantar frango guisado com esparguete, para outros o jantar será bife com molho de manteiga e cerveja: sente-se o característico aroma a manteiga derretida com uma cabeça de alho a que se adicionou uma porção de cerveja e que numa envolvência de sabores e texturas criam o delicioso molho. Noutro apartamento há sardinhada, talvez tenham visitas, o intenso cheiro a pimento assado na brasa dá agora lugar ao forte odor a sardinha assada que se sobrepõe a todos os outros cheiros e aromas que a brisa de fim de tarde transporta até nós.

Uma das particularidades e maravilhas de Portugal é o seu cheiro, ou cheiros. São os cheiros que se sentem e se distinguem conforme a zona, a hora do dia ou a refeição a ser confecionada. É o cheiro a maresia no litoral, o cheiro a lareira nas noites frias de inverno, o cheiro dos pinheiros, a ervas aromáticas, a flores ou a relva acabada de cortar. É o cheiro a bolos pela manhã quando percorro as ruas da baixa de Coimbra. O irresistível aroma a pão acabado de sair do forno. Aquele cheiro inconfundível dos carris da linha de comboio, que lembra férias e aventuras. O cheiro ainda morno, adocicado e envolvente do outono. O cheiro a protetor solar no verão e o cheiro a cerveja e a ressaca na semana da queima das fitas…

Há cheiros e sabores em Portugal que conseguem concentrar em si toda a essência de uma estação do ano, de um local ou de um acontecimento. As castanhas assadas encerram todo o aroma do outono: o fumo da lareira e brasas onde são assadas, o cheiro adocicado que se vai libertando ao serem assadas e depois na boca o quente, suave, doce e encorpado sabor da castanha a pedir um copo de jeropiga. O cheiro fresco e salgado a maré baixa numa praia com rochas, com toda a imensidão de vida que se descobre à medida que o nível do mar baixa, o cheiro a mar, a limos e algas, a crustáceos e moluscos, a anémonas, a ouriços e a estrelas-do-mar, encontra o seu expoente nos percebes, aqueles crustáceos em forma de Alien, que para além de cheirarem, também sabem a maré baixa.

Mas, para além dos sugestivos cheiros, aromas e odores, o que acho realmente fascinante é que só pelo cheiro conseguimos saber exatamente o que está a ser cozinhado. A riqueza da nossa gastronomia produz uma variedade imensa de cheiros distintos e únicos, perfeitamente identificáveis. Os cheiros chegam até nós através de chaminés, portas e janelas abertas. São cheiros que se libertam de casas particulares, de restaurantes, cafés ou cantinas. São cheiros que vagueiam pelas ruas e ruelas, são cheiros que entram sorrateiramente em nossas casas e escritórios, são cheiros que nos fazem querer tocar à campainha dos vizinhos e ficar à espera de sermos convidados para a refeição…


E nós, portugueses, gostamos tanto do cheiro a alimentos que até fazemos livros com cheiro a algo comestível, literalmente! Quem, como eu, já se deliciou a ler os livros com cheiro a baunilha, banana, morango, chocolate, canela e caramelo?!
















Margarida Veríssimo

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