Encontrei-te quase “despida”. Um raminho de “sempre-vivas”, outro de gerberas, dois pezinhos
de rosas brancas envoltos em papel de prata… e as conchas. Foram lá deixadas por quem te conhecia a paixão
pelo mar. Continuarás assim a ouvi-lo. Das profundezas da terra, ouvirás as
profundezas do mar e continuarás a saber pelo mar as notícias de um mundo que
nunca quis saber notícias tuas.
Deixei a minha mão desenhada sobre a terra. Quis
que soubesses que eu estava aí. Quis que me sentisses, como quando nos
abraçávamos antes do café e das gargalhadas. Esse coração que hás-de ver
desenhado sobre a campa, fui também eu que o deixei. É um coração como o teu. Não
bate mas guarda memórias. São sempre as memórias que arrastam as despedidas e
quanto maiores são as memórias mais tempo leva a dizer adeus. É preciso antes
disso enumerar os pátios e os terraços e todos os palcos da nossa amizade. É preciso lembrar a tua voz que apagava todos
os silêncios e todas as raízes que me lançaste para que eu crescesse e me
multiplicasse em tantas ideias e sonhos como os que nunca desististe de sonhar.
Se eu pudesse trazia-te de volta à vida porque neste instante em que estás
morta sabes infinitamente mais do que eu. Eras uma mulher tão especial! Tão
viva! Preciso de me arrastar na despedida porque não me avisaste antes que ias
partir… Precisarei agora de olhar todas as estrelas do céu e perscrutar cada
luar que pousar à noite para saber onde tu estás. Hei-de ver o desfilar dos
anos pela pequena brecha dos teus olhos porque parte de mim olha o mundo como
tu olhavas.
Não te levei flores. Hei-de levar-te violetas,
porque sei que ao levá-las estarei a arrastar a despedida. E depois disso hei-de levar-te as tulipas que
dormirão contigo. O nosso adeus há-de ser uma concha longe, longe da maré.
Há-de ser a concha na tua campa, a concha que jamais será carregada pela água,
jamais sucumbirá à força do mar.
Sabes, que acredito em Deus, como tu acreditas no
holograma da lua e no teu confinamento. Espero que estejas errada. Quero-te
livre agora, pelo menos agora, já que o corpo não te deixou sê-lo em vida.
Quero que saias de onde tu estás e vás ver o voo dos condores na Cordilheira
dos Andes, as linhas de Nazca no Perú, as Pirâmides de Tikal e depois as de Gizé,
os gigantes da Ilha da Páscoa, os astronautas da Amazónia…. Acredito que o
universo é eterno, mas também o são os sentimentos e os teus amores não
morreram só porque tu morreste…
Hei-de levar-te violetas porque sei que ao
levá-las estarei a arrastar a despedida. A tua voz há de vir de longe como o
som do mar de dentro de um búzio e então eu saberei que ainda não te perdi
porque nunca perdemos o que realmente importa.
Há muito que o encanto do mundo não surte em mim
qualquer efeito. Lamento. Sei que me querias mais garreada a este chão, mas a
terra não me é sedutora o quanto baste. Arredo-me, tanto quanto possível do
ruido que a humanidade em desassossego provoca e mantenho-me quieta, à escuta
do silêncio, compreendendo o silêncio e todos os segredos que só o silêncio
revela. Num desses silêncios, eu sei, ouvirei a tua voz e depois sim, o mundo
voltará, pelo menos, a fazer sentido.
Ana Kandsmar
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