Tenho uma amiga que se mudou recentemente para o
campo. Deixou o seu apartamento em Lisboa e mudou-se, ela, o marido, os cães,
os gatos, as tartarugas e o periquito, para uma casa térrea no campo, na zona
oeste. Entre terrenos verdejantes e férteis a casa implanta-se na zona mais
alta da propriedade que, em patamares, acolhe os anexos, o forno, a
churrasqueira, uma área relvada, várias árvores de fruto e 3 frondosos
pinheiros mansos carregados de pinhas repletas de pinhões carnudos.
A casa tem um grande e fantástico alpendre, ao
longo de quase todo o seu comprimento, virado a nascente, dominando o terreno
como um vigilante atento e com uma vista fabulosa sobre os campos circundantes
até onde alcança a vista. A alma da casa é aquele alpendre.
Aquele alpendre emana conforto, tranquilidade, paz,
convida-nos a permanecer, a viver e a vivenciar todo o seu espaço. O alpendre
abre-se não só para a paisagem verdejante como para todo um novo mundo de
possibilidades, inspira-nos e transmite-nos o desejo de sonhar e de criar novas
realidades.
Imagino-me naquele alpendre numa animada tarde de
primavera, envolta pelo colorido e pelas fragrâncias da natureza, das flores e
dos frutos, reencontrando velhas amigas. Brindamos à vida e à amizade, brindamos
com sangria enriquecida com fruta da região e com vinho tinto. No sofá de canto
recordamos, entre risos e gargalhadas, os anos fantásticos da nossa juventude,
as aventuras que vivemos, as maluqueiras que fizemos juntas e lá fora o voo da
águia atenta lembra as danças sempre tão presentes nas nossas festas.
Imagino naquele alpendre os serões quentes de
verão iluminados pelo céu estrelado, os cães e gatos languidamente estendidos
sobre a fresca tijoleira, cansados de um dia de correria pelos campos, e os
seus donos conversando serenamente enquanto se deleitam com um vinho tinto
alentejano a acompanhar queijo e pão caseiro, cozido no forno ao fundo do
terreno.
Visualizo agora no alpendre a minha amiga a ler, à
luz de uma lamparina pendurada numa travessa de madeira do telhado, recostada
numa grande almofada vermelha, enquanto acaricia um dos gatos. Aos seus pés os
cães aninham-se. Os dias estão mais curtos e com a brisa fresca do outono sabe
bem ter os amados companheiros aquecendo-a. Ali ao lado, lá fora, o seu marido
prepara as brasas para grelhar o jantar que será servido na mesa grande de
madeira no centro do alpendre. O peixe será acompanhado de salada, vinho branco
bem gelado e do silêncio e escuridão da noite. Aquele silêncio e escuridão que
existe no campo, aromatizado pelo odor da terra que recebeu as primeiras
chuvas.
Imagino a minha amiga numa manhã fria de inverno
reconfortando-se numa poderosa chávena de café. Sentada num dos degraus que
ligam o alpendre ao terreno relvado consola-se com os tímidos raios de sol que
banham e iluminam o seu rosto, disfarçando as olheiras. Da porta aberta da sala
liberta-se o aroma da lenha a arder na lareira. Ao som do canto do periquito o
seu olhar observa para além da paisagem e vê as montanhas de Wicklow.
E entre todas estas imagens que se formam no meu
pensamento há uma que persiste: a minha amiga no alpendre, de portátil no colo,
rodeada dos seus animais, observando a paisagem, olhando para além da paisagem,
a escrever. A luz vai mudando, o dia dá lugar à noite, as estações vão-se
sucedendo e com elas os tons, os sons e as fragrancias da paisagem
transformam-se, mas a minha amiga permanece no alpendre, escrevendo, olhando
para além da paisagem e criando novos mundos e novas vidas que já anseio por
conhecer nos seus próximos livros.
Quanta sorte tem a Madalena! Também quero um alpendre assim. Quero, quero! Muito!:)
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