Tablóides sensacionalistas, mais uns quantos
canais de televisão (que por acaso até são lideres de audiências), profetas da
desgraça, Edvards Munchs da era digital, esses pintores de gritos e de lágrimas
e de dor. Viver num mundo onde a humanidade se hostiliza, se fere e mata por
conta do ouro, da banca, do petróleo e de livros antigos. É o que temos. E como
me disse ainda ontem, alguém muito mais jovem do que eu, (alguém a quem a fé na
humanidade nunca chegou a nascer): “Somos intrinsecamente maus. O gene da
bestialidade, da maldade, da intolerância, está plantado em nós como uma
semente que se colou ao útero da Terra. Ocasionalmente há uma luz que se acende
aqui ou acolá. Uma ou outra parte do globo ilumina-se com uma frágil corrente
de paz e amor, mas nunca tem tempo para se fortalecer nem nunca nasce ao mesmo
tempo em todo o lado”.
Sou forçada a concordar com ele. E a minha fé, que
deve ter nascido mais ou menos no mesmo dia que eu, vai morrendo um bocadinho
mais todos os dias.
Morre nas páginas dos jornais, no ecrã da
televisão e até nas cronologias do Facebook. Eu tento contrapor o meu jovem
oponente no debate. “Não. Nós melhorámos. Nós já fomos maus. Isso é passado.
Olha a Idade Média, a Inquisição. Lembras-te da Inquisição? “O Rafael olha-me
como se me visse através de um vidro fosco, embaciado com fantasias. “Idade
Média? Inquisição, a caça às bruxas, as cruzadas??? E já em pleno Séc.-XX, XXI??
A 1ªe 2ª Grande Guerra, Hiroshima, Nagasaki, o Holocausto, o Iraque de Sadam, a
mutilação genital feminina, (que não se pratica apenas em países da Ásia e
África, mas também na Europa), Tiananmen, Timor, o leste europeu, as redes de
tráfico de mulheres e crianças, o 11 de Setembro, a escravatura infantil, a
politica do filho único na China que atira com milhares de bebés
(principalmente do sexo feminino para os contentores da morte), e de novo a
caça às bruxas e bruxos da actualidade que já levou centenas à execução no
Cambodja, e de novo, sempre de novo, por séculos de história, a mortandade
entre irmãos que lutam por uma terra que de Santa só o nome?”
E poderíamos continuar, temo. “E que lutam em nome
de um Deus que terá um dia, sem querer (creio), conduzido estas criaturas a uma
epopeia de sangue e desgraça, quando lhes disse que aquela era a Terra
Prometida.” Mais uma vez, palavras mortas em livros velhos.
“Somos intrinsecamente maus.”
Pois somos, Rafael. O gene da bestialidade, da
maldade, da intolerância, está plantado em nós como uma semente que se colou ao
útero da Terra.
Ana Kandsmar
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