Abro de novo os olhos e fixo o olhar na luz
colorida da vela. Vejo as imagens filtradas pelo sal das lágrimas que me
inundam os olhos e a alma. Sobre o teu caixão fechado, um único ramo de flores.
É um ramo de lírios em origami, são
nove, tantos quantos nós somos, azuis, vermelhos, amarelos e verdes, os mesmos
tons em que o brilho da luz das velas te ilumina o caminho. Apesar da tristeza
do momento, o colorido sobressai, contigo e para ti não podia ser de outra
forma, a alegria da cor é a tua mensagem. Desculpa se as flores não estão tão perfeitas
quanto tu mereces, mas as mãos tremiam-me e os olhos enchiam-se de lágrimas.
Fecho novamente os olhos e vejo o teu sorriso.
Vejo-te a sorrir, a gargalhar, com a tua caraterística boa disposição e alegria
contagiantes. Revejo os momentos, os muitos e importantes momentos juntas. As
férias de verão da nossa infância, as aventuras, os piqueniques no campo, os
barquinhos que esculpíamos nas cascas dos pinheiros, as voltas à casa de
bicicleta, os livros, teus e da tua irmã, que eu lia de empreitada, os jogos de
tabuleiro que duravam horas… quando as horas duravam eternidades e ainda não
tínhamos a noção que um dia podem mesmo parar. Revejo os carnavais e as fabulosas
fantasias com que sempre se mascaravam, tu e os teus irmãos. Revejo o
deslumbramento que senti quando ao acordar, da janela do teu quarto, vi o meu
primeiro nevão! Revejo o enorme boneco de neve que construímos e as
brincadeiras que fizemos na neve. Revejo-te no último verão em que estivemos
juntas e no verão em que juntas decidimos que os nossos filhos mais velhos, da
mesma idade, não comeriam mais as sopas de bebé.
Abro os olhos e observo o ramo colorido de flores
de papel, olho através das cores do papel e olho para ti.
As palavras que te dirigem são sentidas, cheias de
amor. Sabes, não é só na assembleia que estão os que te amam, também no altar
está quem te ama…, mas tu já sabias que assim seria, não sabias?
As palavras que te disseram, as velas de luz
colorida, o ramo de flores de papel, amarelas, azuis, vermelhas e verdes, a
música que ecoou enquanto te levavam… Ai, a música, “Para Sempre”, que encheu a
igreja, que abafou os soluços e nos preencheu a alma, de ti, de amor, do vosso
amor. Foi Lindo! Tenho de te dizer, tenho estas palavras embargadas há muito
tempo: o teu funeral foi lindo! Tão lindo quanto doloroso. A beleza sensorial
dançando uma valsa silenciosa com a dor profunda, que nos rasga o peito e
revolve as entranhas. Foi lindo porque o amor com que foi preparado, executado
e sentido suplantou a dor e a tristeza. Foi lindo porque as pessoas
maravilhosas mesmo na morte projetam beleza!
Margarida Veríssimo
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