Deixámos de falar. Nem por causa dos miúdos
mantemos contacto.
Nos primeiros anos ainda tentámos simular
tolerância, aceitação, uma pequenina réstia de amizade que se tivesse pendurado
em nós como um pequeno aranhiço que se suspende de uma teia. Passado esse tempo
assumimos que não nos suportamos. Que nos desprezamos mutuamente. Ele, porque
nunca me perdoou tê-lo posto a milhas da minha vida, eu, porque nunca lhe
perdoei ter sido tão mau em tudo. Tão…sensaborão. Tão vazio e ao mesmo tempo
tão cheio de si mesmo, como o são os balões inchados de coisa nenhuma.
Nos primeiros meses aparecia, sob o pretexto de
ver os filhos. Tentava beijar-me, roçar as mãos no meu peito e eu sentia nojo.
Um arrepio de puro repúdio tomava conta do meu corpo. E ao mesmo tempo que me
invadia a náusea sentia pena. Dele. Dos miúdos. Mas nunca lamentei o egoísmo
que me fazia pensar apenas em mim. Era um direito meu. Ninguém mo podia tirar.
Hoje cruzamo-nos na rua e se possível nem nos
cumprimentamos. Se o fazemos é um aceno que nos damos um ao outro, sempre com a
pressa de nos perdermos de vista. Um “ Olá, tudo bem” assim mesmo sem ponto de
interrogação. Na verdade o que fazemos é dizer olá para cumprirmos as regras da
boa educação e de seguida afirmamos (não que interesse ao outro), que cada um
de nós está bem e recomenda-se, obrigada. Um “Olá, tudo bem” que não espera nem
exige resposta como todos os outros “olás” que dizemos a pessoas de quem não
queremos realmente saber, mas que cumprimentamos por conveniência.
A vantagem que temos nesses encontros onde as
palavras não se fazem necessárias, é que temos logo de seguida a liberdade para
seguirmos em frente, nos nossos caminhos a solo, cada um na sua, sem nos
olharmos, como de resto sempre fizemos.
Nunca nos olhámos.
Construímos uma vida em comum que não era bem em
comum. Eram mais linhas paralelas que não se tocavam, (são assim as linhas
paralelas), olhando em direcções opostas, nunca a mesma, nunca um para o outro.
Nunca me perguntei de quem foi a culpa. Não me
interessa esmiuçar uma parte da vida que ficou irremediavelmente no passado. E
se dou comigo a pensar nisto hoje, é porque me dou conta de que lhe perdoo
quase tudo. Quase tudo. Que ele não tenha sabido ser meu amigo, meu marido ou
meu amante. Perdoo. Não lhe perdoarei nunca que ele não saiba (nunca soube),
ser pai.
Ana Kandsmar
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