José Alberto
Carvalho escreveu na sua página de Facebook um texto comovente, mas assertivo
sobre os incêndios que assolaram o país.
Muitos dos seus seguidores elogiaram a forma
imparcial com que expôs o que pensava, tendo o cuidado de não criticar (pelo
menos de forma óbvia) a atuação do governo.
Pessoalmente
subscrevo quase tudo o que José Alberto disse. Quase tudo, porque quando
José Alberto diz “1 - A Ministra deveria demitir-se?
O
que teria mudado hoje, se a Ministra da Administração Interna se tivesse
demitido ontem? Nada!”
Continuo a
acreditar que Constança Urbano De Sousa, embora não sendo culpada das labaredas
que devoraram metade do país, tem culpa pela forma como geriu a catástrofe, tem
culpa das falhas, da desorganização, da omissão de informação, da falta de
meios de combate... e tem culpa pelo que disse. Eu poderia ir mais longe
dizendo que esta culpa se estende também a António Costa. E estende. Mas é para
delegar responsabilidades na governação de um país que existem ministérios, e
cada um, sob a sua tutela tem diversos agentes. Convém que funcionem. É para
isso que pagamos impostos. No que toca ao que não deve ser dito, também o PM
perdeu várias oportunidades para estar calado. Ora vejamos: Pergunta- “É
agora que o governo vai implementar medidas de reestruturação da floresta?”
Resposta: “Não me faça rir a esta hora.”, e ainda declara: “os
portugueses têm que se habituar, porque situações como esta vão acontecer
muitas vezes no futuro.” É sempre consolador saber que o nosso PM nos está
já a preparar o caixão.
Frases destas ditas
por quem tem responsabilidades ao nível da governação são no mínimo de uma
enormíssima falta de respeito para com o povo que foi (ou não) às urnas e
depositou nele (ou noutro) o seu voto. Mas é sobretudo uma profunda falta de
respeito para com quem votou em António Costa. Imagino que muitos dos que
morreram calcinados pelas chamas terão votado. Se eles pudessem dizer hoje o
que pensam, o que diriam? António Costa terá alguma vez pensado nisso? Estou em
crer que não.
O Primeiro Ministro
comete ainda mais um infame pecado. Não se desculpa. A sobranceria e arrogância
não lho permitem e dá-se ainda ao luxo de dizer: "Se
me querem ouvir a pedir desculpas, eu peço desculpas, mas faço-o enquanto
cidadão e não enquanto PM". Errado, errado. Primeiro, porque foi um
"pedido de desculpas" arrancado. Segundo, porque Costa disse que
pedia desculpas enquanto cidadão e não enquanto Primeiro Ministro. Deve estar a
fazer alguma confusão, porque me parece que é enquanto Chefe do Governo que
deve pedir desculpas e não enquanto cidadão. O cidadão António Costa tem tanto
poder para mudar o que quer que seja como qualquer outro cidadão. Não deve o
cidadão António Costa, nenhum pedido de desculpas. Deve-o o Primeiro Ministro e
como tal, o Primeiro Ministro não pediu desculpas.
E cá estamos nós
outra vez na linha que separa o cidadão da sua missão.
Parece-me que a
única coisa que os políticos e os jornalistas têm em comum é precisamente o
facto de que nem uns nem outros, podem, no exercício das suas funções, dizer
tudo que lhes vem à cabeça. Constança Urbano de Sousa e António Costa, ao
contrário de José Alberto Carvalho, disseram-no.
E até onde pode o
jornalismo imiscuir-se naquilo que é do foro opinativo? Quem não recorda
Manuela Moura Guedes e os seus “ataques” a José Sócrates, ainda a Operação
Marquês não estava sequer em estado embrionário? Manuela foi, ao contrário do
que muitos pensam, apenas uma jornalista que viu mais longe e saiu da
formatação habitual do jornalismo em Portugal: O jornalismo de “seguidismo”, no
fundo, mais publicidade que jornalismo.
Manuela fez mesmo
jornalismo e o seu único erro foi tê-lo feito num país onde ninguém estava
familiarizado com essa coisa de “de facto se fazer jornalismo”.
Não emitiu opiniões
pessoais sobre o então Primeiro Ministro. O que fez foi uma coisa diferente:
Incomodou. Fez perguntas que ninguém, muito menos os jornalistas ousavam fazer
quando na verdade deviam fazer. É para isso que o jornalismo serve. Para
inquirir, indagar, trazer à luz do dia o que está escondido. Manuela tentou
fazê-lo. Não lho permitiram. Hoje sabemos que ela tinha razão.
Vejam-se as
diversas publicações que existem no mercado mesmo por cá e não escapará a
ninguém que o Observador é mais à Direita, o I
muito mais à Esquerda, e casos não faltam de jornais onde se veiculam notícias
a puxar um bocadinho (às vezes muito), mais para aqui ou para acolá. Sejamos
francos: a imparcialidade no jornalismo, anda, como é natural, porque somos
humanos, a reboque das nossas convicções. Mas em jornalismo, o que não pode
acontecer é escarrapacharmos pornograficamente numa noticia escrita por nós, ou
numa imagem de capa, as nossas convicções.
E eis que então
chegamos à Sábado. A revista Sábado por sua vez colocou nas bancas mais uma
edição com uma capa que no mínimo provoca desconforto. O que é que têm em comum
José Alberto Carvalho, a Sábado e Manuela Moura Guedes?
Tirando o facto de
que se movem no meio jornalístico, nada.
O jornalista da
TVI24 por uma questão de pudor profissional limitou-se nas criticas que poderia
ter feito (ou não), no entanto, se não se tivesse limitado estava no seu pleno
direito. José Alberto escreveu na sua página pessoal do Facebook. Pessoal. Ora,
antes de ser jornalista José Alberto Carvalho é cidadão. Enquanto cidadão pode
e deve opinar sempre que entender, desde que no espaço em que domina o cidadão
José Alberto Carvalho e não o jornalista José Alberto Carvalho.
Manuela Moura
Guedes fez um trabalho de pressão jornalística sobre alguém que estava debaixo
de suspeitas várias. Por sua vez, a Sábado expõe o seu descontentamento com a
prestação da MAI e eleva esse descontentamento para um nível que se aproxima
perigosamente do ataque pessoal. Quando bato com os olhos na capa dificilmente
vejo a ministra e passo a ver a cidadã Constança Urbano de Sousa. E isso é uma
péssima forma de fazer jornalismo.
Remato, pedindo que
reparem que as minhas crónicas neste espaço são assinadas com Ana Kandsmar.
Poderia assinar com Ana Cristina Pinto, mas não o faço. E não o faço porque
entendo que não pode haver promiscuidade entre o primeiro e o segundo nome. O
primeiro eu uso nos meus livros, no meu blog, nas redes sociais. O segundo, é o
nome que consta na minha carteira profissional de jornalista. Isto para dizer
que não abdico de opinar, mas não posso misturar o que é meu, das minhas
convicções e vivência pessoal com o que é de todos. E o que é de todos é o direito
à informação. Não a obrigação de saberem o que eu penso.
Uma coisa é uma
coisa, outra coisa é outra coisa.
Ana Kandsmar
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