Não
deve haver coisa mais triste neste mundo que nos apaixonarmos pela nossa alma
gémea.
Não falo daquela tristeza que nos pára os sorrisos à chegada, falo de uma tristeza que se veste de alegria, de coração quente, de sangue que nos pula nas veias, de ilusão.
É tão fácil gostar da nossa “alma gémea”, mas tão fácil, que será muito fácil pensar que se gosta de alguém quando de facto apenas gostamos de nós, num outro corpo.
O que acontece é que todos andamos à procura dessa “alma gémea”, dessa coisa que nos completa, que nos deixa confortáveis, e amar - se for possível - não pode ser só uma forma de conforto, não deve ser só um cobertor que nos aquece a existência dos sentidos.
Sentir é muito mais do que adormecer. É ouvir, é ver, é gesticular com as palavras, é ir mais além, é discordar e mesmo assim querer ficar tempo, mais uma hora, ou duas,
só
para sentir o prazer de não concordar!
Chegam a ser irritantes aquelas pessoas que acabam as frases umas das outras, que se riem muito, e que dizem que foram feitas uma para a outra. Mas que burrice. Que estupidez. Que forma tão parva de mascarar o amor. Haverá coisa mais chata do que sermos feitos para alguém?
Gosto de pensar que fui feita para descobrir, para pensar, para correr a vida sem olhar para trás, ao invés de ter sido feita para alguém, para uma alma gémea, alguém que me é igual...
É preciso dizer que gostar da nossa alma gémea não é amar a diferença, a discussão, as perspetivas diferentes, os mundos que apesar de desiguais convivem. Conviver com as nossas ideias, não é mais de que um amor narcisista que temos por nós mesmos, e se só gostamos de quem somos, é porque somos incapazes de amar alguém.
O amor, a existir, não se encontra em quem nos é parecido ou igual, encontra-se na forma como conseguimos sorrir à divergência, fintar a discordância, conviver com os nãos.
Pobres almas que se apaixonam pelas suas gémeas. Que precisam de alguém que as complete, que lhes adivinhe o pensamento não por lhes conhecer a reação, mas porque pensam exatamente o mesmo e não oferecem ao outro novas perspetivas. Tristes existências que vivem sem marcar.
Que ninguém me diga que encontrou o amor, porque achou o agasalho cómodo de uma alma que é igual à sua.
Ana Kandsmar
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