Há dias fui a um jantar só de mulheres. Não era um
“jantar de mulheres”, mas um encontro das turmas de fitness que, vai-se lá saber porquê, são só de mulheres, com
exceção dos professores que são homens. Reformulo a primeira frase: há dias fui
a um jantar de 1 homem entre mulheres, mas como o único homem se sentou no
extremo mais afastado da mesa relativamente ao local onde me sentei, acabei por
conviver e falar só com mulheres. Entre vários temas de conversas, um que acaba
sempre por surgir naturalmente é a maternidade.
Quando os filhotes são mais pequenos as mães falam
mais das proezas dos seus rebentos. Com um brilho cintilante no olhar descrevem
orgulhosas, as conquistas, brincadeiras e episódios brilhantes ou insólitos
protagonizados pelos seus ímpares e fantásticos filhos. Falam do cansaço e das
noites mal dormidas ou da sorte e mérito que têm por os seus filhotes dormirem
a noite toda. Fala-se de roupinhas e de comidas, de escolas, de atividades, de
tudo e de nada. À medida que os filhos crescem a necessidade de exteriorizar a
imensidão de espaço e tempo que os filhos preenchem nas nossas vidas diminui.
Depois do assombro inicial aprendemos a gerir este impulso e a distinguir as
nossas próprias vidas das vidas dos nossos filhos, até porque que interesse
poderá ter para alguém o facto de o nosso filho ter conseguido resolver sem
ajuda uma inequação fracionária do 2.º grau ou da nossa mais nova conseguir
distinguir os protozoários dos vírus, bactérias e fungos?
Mas seja qual for a idade dos filhos um tema épico
de conversa, fascinante, que nunca fica desatualizado nem perde interesse com o
distanciar do acontecimento é o parto! Há partos para todos os gostos e para
todos os estômagos. Independentemente de quantos filhos se teve, cada parto foi
único, irrepetível, especial e homérico! Há histórias incríveis de partos,
aliás, todas as histórias de partos são incríveis: dos rápidos, fáceis e
indolores aos morosos, penosos, difíceis e arriscados. E há histórias terríveis
e dramáticas de partos. Tanto num parto vaginal, com ou sem instrumentos de
auxílio, com ou sem anestesia, dentro ou fora de água, como numa cesariana, sentimos
que os médicos tratam o nosso corpo, o corpo da mãe, como se de um mero
invólucro do bebé se tratasse, que é preciso rasgar, cortar, torcer, puxar,
empurrar, alargar para que o bebé nasça, para que o bebé finalmente chore a
plenos pulmões, respire e abra os olhos para este mundo novo que o acolhe.
O parto é um momento único na vida de uma mãe.
Também o será para o bebé, mas desse momento não guardamos memória. É vivido e
sentido com um misto de felicidade e melancolia, medo e coragem, ansiedade e
serenidade, prazer e sofrimento. Quando finalmente podemos envolver nos nossos
braços o filho recém-nascido, sabemos que deixámos de o envolver com todo o
nosso corpo, apesar de o envolvermos com todo o coração. Deixou de ser o nosso
corpo para ser um corpinho pequeno e frágil, do mundo, que crescerá e, se Deus
quiser, se tornará forte, livre e independente.
A verdade é que após o nascimento do filho, somos
nós que tentamos adiar o corte psicológico do cordão umbilical, a separação
física, o assumir o filho como indivíduo autónomo do nosso ser, das nossas
vontades. Queremos preservá-lo para nós pois faz parte integrante da nossa existência,
transborda-nos e transborda da nossa essência. Fundimo-nos e tentamos preservar
a entidade física una mãe/filho que não somos.
O filho, que durante nove meses se alimenta do
nosso corpo, do nosso sangue, que nos suga a energia, que nos condiciona as
ações e a alimentação, que nos enche de desejos e nos esvazia de enjoos, que
nos provoca carências, cãibras, peso a mais, cálcio a menos, que nos rasgou o
corpo e o tatuou em forma de cicatriz, que nos rouba o sono tranquilo, oferece-nos
uma nova dimensão de viver, uma dimensão suprema, plena do que é existir, existir
dentro e fora de nós, existir por dois, por três, sem deixarmos, contudo, de
sermos nós.
Margarida Veríssimo
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