Já lá vão
quase 14! Quase 14 longos anos de uma vida a solo, a bem dizer a trio, que os
dois miúdos contam para a equação, e uma verdadeira tentativa para o trio
passar a quarteto. Não deu. Correu mal.
Rui Veloso
diz que não se ama alguém que não ouve a mesma canção e embora a coisa não deva
ser levada à letra tem o seu Q de verdade. Na tal verdadeira tentativa a que me
refiro, a canção que ouvíamos até era a mesma, partilhávamos de uma paixão já
velhinha pelos Supertramp, entre outras, mas as cantigas em que entrávamos nos
“desacordes” eram bem mais importantes que uma Logical Song ou um Breakfast in
América. Paralelamente, nunca seria a música a dividir-nos, que eu não sou
“gaija” para desamar alguém que ouve com prazer todas as músicas do Tony
Carreira (até porque afinal não são do Tony Carreira), e porque acredito que quando
amamos profundamente alguém, podemos até ouvir um tema ou outro da Ana Malhoa
sem vomitar, se isso fizer o ser amado feliz. Mas o amor tem que coincidir nos
fundamentais, e adivinha-se, esse foi um euromilhões que nunca me calhou, (nem
com o pai dos miúdos, que foi “coisa” para estar nos antípodas de tudo o que me
corre nas veias). Consigo, obviamente, amar alguém que não saiba reconhecer a
genialidade de um Tom Jobim ou de um Chico Buarque, mas não suporto que acima
deles se coloque uma Fafá de Belém ou que no seu top de preferências para uma
saída à noite esteja um bailarico onde se dança Kizomba. Em suma, ouvir a mesma
canção, sim é importante, tanto mais quando a canção não é sempre o mesmo fado da
“queca, adeus e um queijo, ou melhor, dois, que um pode estar estragado”.
Não consigo
amar alguém que não esteja disposto a conhecer-me para além do que tenho por
baixo da roupa interior, e por “não consigo amar”, entenda-se: não consigo
relacionar-me de todo. Não consigo amar quem não se aventura no meu labirinto interno,
quem se está nas tintas para me dissecar, que é como quem diz: tentar conhecer-me
nos mínimos detalhes, (sem consegui-lo verdadeiramente, claro, que não há nada
melhor para matar uma relação que a ausência de uma pitada de mistério) e isso,
acreditem, vai muito além de saberem de cor onde é que tenho o “botão” que liga
ao meu ponto G, seja lá o que isso for.
Também
nunca amaria quem não goste de ler, sobretudo livros, que isso de ler a Bola e
o Record não conta. Quem nunca tenha lido Pessoa, Teixeira de Pascoaes ou Lobo
Antunes, anda longe de marcar pontos. Quem não é capaz de perceber o humor dos
Monty Python, de um Ricardo Araújo Pereira, um Raminhos ou um Herman José,
sobretudo no tempo em que o Herman provocava processos disciplinares na RTP e o
cancelamento abrupto dos seus programas, não tem aquela dose de loucura
saudável que faz milagres com a líbido de uma mulher apreciadora do humor
inteligente. Não ter um tracinho de causticidade, um nadinha de sarcasmo
corrosivo é um crime de lesa-amor. Na verdade, homens como o House (sem a parte
do coxo incluído) fascinam-me. Talvez até fosse capaz de amar quem não lê MEC,
mas seguramente que nunca amaria quem o lê se mesmo assim não for capaz de
rever-se em pelo menos meia dúzia das suas crónicas. Não tenho, (nunca tive),
para mim, o modelo do que deve ser o homem ideal, mas sei que ele me encontra num
caminho mais directo ao coração se tiver uns salpicos de particularidades
minhas. Particularidades que não têm que passar necessariamente pelo meu
fascínio pelo Game Of Thrones, ou o The Man in the High Castle (embora que, se
passar, dá sempre bom tema de conversa). Mas não é obrigatório gostar das
mesmas séries e filmes.
Perdoa-se
que não goste de Outlander - afinal, uma série de gajas para gajas, mas
aceita-se que veja Desperate Housewifes (isso ainda dá), como quem pudesse
estar a ver outra coisa qualquer, olha calhou ficar ali nas quarentonas boazonas,
podia ter sido no Apanha Se Puderes. Se gostar de policiais eu aceito, desde
que, de quando em vez, se aninhe comigo no sofá a ver comédias românticas. Não
importa: interessa é que, por uma hora ou duas, não haja guerras de zapping.
Nenhum amor sobrevive a frequentes zappings-kamikaze.
Também adoro
o Harry Potter: os livros, a trama, os filmes, a iconografia, no entanto, gajo
que decora os nomes dos professores de Hogwarts parece-me um bocado nerd. E não
se ama um totó, suportamo-lo com carinho. Por exemplo, pode gostar da música
dos anos oitenta, mas não deve saber cantar de cor o Wake Me Up Before You Go-Go e muito
menos dançá-la como o George Michael no videoclip. Deve reconhecer que os AC/DC
são uma grande malha, e não hesitar quando se fala de U2 ou The Police, Queen
ou Pink Floyd. E ai da criatura que me quiser afastar a roupa do pêlo se não
souber apreciar um Jazz! Jazz puro ou Dixie, Blues, ou Soul… Ai da criatura! E
a Clássica…como se ama alguém que não ama Bach?
Homem que
se queira meter à deliciosa aventura de me conquistar está absolutamente
proibido de apreciar pimbalhadas ou de as trautear distraidamente. Há outras coisas
interditas para além dos pimbas. Não amo alguém que ame futebol. Mas tem de
atentar minimamente em europeus e mundiais onde entre Portugal, para não
parecer um alienado - e, pior do que isso, um não patriota. Por isso, mesmo não
percebendo nada de futebol, deve fazer como eu, que também não percebo, mas
pulo e bato palmas sempre que a Seleção faz brilharete num relvado qualquer. Nessas
alturas, (e nas tardes de verão à beira-mar), abrem-se excepções para minis e
tremoços.
Devo dizer
que o nunca ter lido Tolkien nos seus anos de formação é de certo modo um
revés, mas mesmo assim permite que se prossiga com o amor - e nada de insistir
que o faça agora, porque tudo tem o seu tempo e aos quarentas não temos que levar
a sério as fornalhas de Mordor, embora não esteja excluída a parte do anel.
Também não
se ama alguém que não goste de comer, embora se possa amar quem goste de
comidas diferentes. É, aliás especialmente bom quando os gostos neste domínio
não coincidem na totalidade, mas se completam: no franguinho, convém que um
goste da coxa e o outro do peito e no bacalhau, que um prefira a posta alta e o
outro a baixinha. É perfeito. Ainda no domínio da culinária, não poderei gostar
de um homem que não saiba fazer um grelhado com método, paciência e
concentração, sem esturricar (especialmente porque eu não sei). Um robalo
escalado no ponto certo é uma enorme prova de amor. Também não se ama quem
percebe muito de muitas coisas: pode não matar o amor, mas irrita-o. Pior ainda
quando não se percebe, mas se faz de entendido. Muito pior que quando não se
percebe nada de nada, acreditem. Temos que saber coisas que o outro não sabe
para sentir que também o surpreendemos. Senão, o amor mirra, envergonhado.
Não menos
importante é dizer que desprezo aqueles homens que acham que os carros são
prolongamentos das suas pilinhas. Suspeito sempre desses putativos e respetivas
pilinhas pequeninas e ressabiadas que se convencem que andar de BMW é só por si
um valor acrescentado. E, a propósito: não se ama um homem de pilinha pequena,
pequenininha, minúscula, pois não nos traz qualquer utilidade. Sei que não
importa o tamanho e continuará útil para o seu portador, mas para nós não. É,
portanto, um cliché que não nos serve, esse do tamanho que não conta. Conta,
conta! E por fim, podemos até amar, mas devemos desconfiar dos homens que dizem
desabridamente: "a Juliana Paes não faz o meu género". Se mentem em
relação a isto, nunca saberemos até onde estarão dispostos a mentir. O outro, o
da verdadeira tentativa, não mentiu. Resultado: apaixonei-me a valer.
Ana Kandsmar
Irra que a rapariga é exigente!! ������
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
EliminarNão sou nada, pá! ;)
EliminarHilariante texto! Com a frontalidade que te carateriza. Bom para animar este domingo escondido entre as nuvens carregadas e o vento prometido. Tempestade Ana?!... ☺
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
EliminarDeve ser o meu lado furacão, sim. ;)
EliminarAhhh Supertramp e Juliana Paes...inconfundíveis 😆.Beijinhos
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