Há já alguns anos que, quase diariamente
nos meios de comunicação, nos deparamos com as expressões de migrantes e/ou refugiados
que “nos batem à porta”, um pouco por todo o mundo mais desenvolvido, sob a
forma de intensos fluxos migratórios deixando para trás territórios inóspitos
já só resta das outrora fascinantes e sedutoras paisagens.
Eles não são já apenas e só alguns
milhares, mas milhões e contrariamente ao que pensamos, na sua maioria são
migrantes/refugiados que se deslocam anualmente e fogem, não de guerras, mas de
catástrofes climáticas extremas, tais como secas prolongadas, inundações
repentinas, tempestades, furacões, terremotos, tsunamis, vulcões e incêndios
que, em muitos casos, deixam os territórios inabitáveis para sempre ou caso a
ação humana seja refreada, e deixe de levar o clima para territórios
desconhecidos, por várias gerações.
Segundo uma estimativa do Internal
Displacement Monitoring Centre (IDMC) nos últimos 10 anos cerca de 185 milhões desses
migrantes/refugiados são pessoas deslocadas, interna ou externamente, em consequência
de desastres naturais. Os dados referentes ao ano de 2016, referem que dos 31,1
milhões das pessoas que se viram obrigadas a deslocar 24,4 milhões fizeram-no
devido a desastres. Ou seja, o relatório do IDMC confirma que as deslocações
associadas a desastres ambientais superaram os de conflitos e violência. Um
outro estudo recente, da United Nations International Strategy for Disaster
Risk Reduction (UNISDR), contatou que, nos últimos 20 anos, 90% dos desastres naturais
estão ligados às alterações climáticas.
Ainda assim, pouca é a atenção dada à
combinação dos dois principais desafios globais da atualidade: alterações
climáticas e migrações.
Quantos de nós pensa que vive em cidades ou
mesmo países que podem vir a desaparecer nas próximas décadas? Ou que tem a
perceção que a desertificação de muitos dos interiores também se deve ao facto
de a agricultura se ter tornado impraticável?
Esse cenário não é apenas uma ameaça, mas
já uma realidade, em diversos pontos do planeta, tanto para as populações costeiras
que sofrem não só com a subida dos oceanos, como com as infiltrações de água
marinha nos seus mananciais de água doce, mas igualmente para as populações que
vivem em regiões mais interiores e sistematicamente afetadas por secas
devastadoras e uma contínua degradação ambiental.
Estes e outros exemplos, ainda timidamente,
vão chamando a atenção para um tema que
ganha “força” nos debates sobre o
aquecimento global: as questões climáticas e de mobilidade humana, também
apelidadas de “deslocados ambientais”, “refugiados ambientais” ou “refugiados
do clima”.
Em 2015 um dos pontos positivos do Acordo
de Paris foi o que respeita à inclusão dos direitos humanos no
texto e a referência aos direitos dos migrantes face à mudança do clima e a
adoção de medidas para enfrentar as migrações com origem nos impactos adversos
das mudanças climáticas. No entanto apesar de nas versões
anteriores do Acordo estar previsto a criação de um organismo de coordenação
das migrações, provocadas pelas mudanças climáticas, este acabou por ser
suprimido do texto final impossibilitando o que poderia ter sido uma grande
conquista em termos das migrações ambientais e infelizmente nos acordos e
painéis sobre as alterações climáticas vão continuando ausentes ações de maior monta,
por parte de governos e sociedades, para mitigar estas deslocações forçadas. Em
suma, uma contradição alarmante devido às projeções científicas que estimam
deslocações em massa e nunca vista.
A falta de um consenso conceitual para
designar os indivíduos que se deslocam por motivos das alterações climáticas é
a maior dificuldade enfrentada, por estes migrantes/refugiados e vai muito para
além das inerentes ao abandono dos seus países ou locais de origem. A expressão
“refugiado ambiental” não é reconhecida pelo direito internacional com o
argumento de que o termo “refugiado ambiental” poderia gerar confusão em
relação aos refugiados, denominados como tal, pela Convenção Relativa ao
Estatuto do Refugiado de 1951. Ou seja, atualmente, só é considerado refugiado
aquele que é obrigado a deixar seu país devido a perseguições políticas, conflitos
armados, violência generalizada ou violação massiva dos direitos humanos. Os
afetados pelas alterações climáticas não se enquadram como tal.
Se hoje os líderes políticos já estão em
falha com os atuais refugiados ao não legitimar, no atual regime de asilo, a
procura por refúgio dos que já sofrem e cujos números são ainda bem menores, não
nos devemos questionar, individualmente e coletivamente, como é que os Estados
e sociedades pertentem lidar futuramente com o tendencial aumento dos
migrantes/refugiados em consequência de alterações climáticas quando os
especialistas preveem, no melhor dos cenários, até 2050 pelo menos mais 200
milhões?
Todos
nos lembramos do filme The
Terminal (Terminal
de
aeroporto) de Steven
Spielberg (2004) que narra a história de Viktor Navorski, protagonizado por Tom
Hanks, preso num terminal de aeroporto, por ter sua entrada nos Estados Unidos
negada e, também, não poder retornar ao seu país de origem, a fictícia
Krakozhia, que devido a um golpe de Estado o deixou sem nacionalidade.
Hoje, quais Viktor Navorski, os grandes
fluxos de migrantes/refugiados “climáticos” que, também sem pátria, erram pelas
estradas do mundo numa migração forçada e sem destino são uma das principais
calamidades do planeta e da humanidade.
É um facto inegável que as alterações
climáticas estão a ter os seus efeitos. Os exemplos, são os mais variados e vão
muito além dos que nos é dado a conhecer.
As alterações climáticas também
destabilizam sociedades, desencadeiam conflitos e forçam pessoas a saírem dos
seus países.
Em função do que é factual urge redefinir o
estatuto de refugiado, porque o que existe é redutor!