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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

CRÓNICA | Eu não vou em futebóis | FERNANDA PALMEIRA



Quantas vezes não ouvimos dizer… “eu cá não vou em futebóis”, como quem diz ai eu cá estou muito acima disso, dessa coisa que move multidões e transforma simples cidadãos em turba, como quem se demarca dessa ‘plebe’ e se isola no pedestal das elites.

Esta coisa dos rótulos que castram a expressão da individualidade é mais uma daquelas coisas que me atormenta. Sim… sou uma alma constantemente atormentada pelos catálogos em que seres humanos se ‘aprisionam’ uns aos outros e jamais conformada com isso mesmo.

Desde sempre alguém tentou cercear ‘o outro’, enformá-lo em caixas, defini-lo de acordo com os seus padrões que, como diz a expressão são apenas e só os seus padrões, fruto também eles de uma individualidade que a determinada altura apenas teve o ‘poder’ de criar norma com o intuito disso mesmo: normalizar…

Cansada de me dizerem… como é que alguém como tu, pessoa inteligente e que gosta de livros, boa música, cinema, arte em geral, que cultiva amigos e amizades, consegue gostar dessa coisa que é o futebol, essa coisa irracional. Ao menos, se era para gostar dessa coisa menor é o desporto, gostavas de uma modalidade de jeito, uma modalidade decente… vá lá, sei lá, um rugby, um ténis, ou no máximo um basquetebol. O leque é tão abrangente e logo tinhas que ir gostar do que move o povo. Logo eu, que sempre pratiquei desporto e sou adepta de tantos. Mas, sim, para mim, o futebol é um desporto ‘maior’.

Esse desdém acicata, e sim, é nesse momento que a irracionalidade desperta verdadeiramente, que se deixa de ser politicamente correto. Verdadeiramente o que desperta a irracionalidade é o princípio do julgamento… julgar ‘o outro’ é que é irracional.

Gostar de futebol é gostar de emoções, é estar vivo, tão vivo como quando se aprecia um bom livro, como quando se aprecia uma conversa com amigos. Catalogar ‘o outro’ porque gosta de futebol ou por qualquer outro motivo é não olhar para si. Quando julgamos os outros estamos a julgar-nos a nós próprios e a refletir nos outros as nossas falhas.

Deixemos os carimbos para os papéis. Os seres humanos não se enquadram, por definição, em catálogos nem em caixas. O que é bom e válido para um não o é necessariamente para outro.
Eu “vou em futebóis”, e em livros, e em copos e conversas com amigos, e em pés de dança, e em peças de teatro e exposições... Como eu, milhares dos que gritam golo ao meu lado também têm, certamente, outras paixões na vida e ainda bem que assim é, são seres humanos saudáveis e felizes.

A felicidade é o ensejo último do ser humano. Que cada um seja feliz por si e para si. Só assim teremos uma verdadeira Humanidade.

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