sábado, 20 de janeiro de 2018

REFLEXÕES OCASIONAIS | Advogados - a Toga ou a Vida? | Isabel de Almeida

A opinião pública não é, por norma, muito favorável aos Advogados, muito embora esta seja uma profissão essencial na nossa sociedade dita "democrática" e no nosso Estado dito "de Direito". Existem diversos estereótipos negativos quanto aos Advogados, e estes estereótipos estão muito entranhados em quem não esteja habituado e não conheça a realidade e a importância da advocacia, ou em quem tenha tido más experiências com problemas legais (que também as há, como há em todas as áreas e profissões). Quem esteja menos informado, quando se fala em Advogados diz prontamente pérolas como estas:  "são uns aldrabões", "como é possível que aceitem defender criminosos!?, são tão criminosos quanto os clientes deles!", "ganham dinheiro e, por culpa deles, os processos não andam".

Depois, há aquela ideia, também erradamente generalizada de que  os advogados são todos "betinhos", " muito ricos", "de elevada condição social", "vaidosos", "arrogantes", "com a mania que são mais espertos do que os outros". Creiam que, desde que ingressei na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, até ao dia que de lá saí, e durante e após o o Estágio de Advocacia já ouvi muitas ideias destas serem comentadas de forma displicente, às vezes em tom inflamado, outras em tom de brincadeira que pretende camuflar uma crítica que resulta de falsas crenças.

Em abono da verdade, tenho de reconhecer que, de facto, existe uma advocacia de elite, abastada, ligada à alta finança, habituada a conviver de perto com "Trusts", "Offshores", "Fusões", "Aquisições", com métodos de trabalho e filosofia profissional muito próximas daquelas que não soam estranhas a quem seja espectador habitual de séries Norte Americanas de Advogados. Mas mesmo aí, nesse mundo bem sucedido, não me atrevo a pensar que não existam pessoas honestas, dignas, que façam o seu trabalho de forma apaixonada, porque as há! Porque em toda e qualquer profissão sempre haverá bom e mau!

Depois há também a pseudo-elite, esta sim acho que me assusta mais do que tudo o resto...ou talvez não. Aquela que pratica a filosofia da "Feira das Vaidades" e que defende mais ou menos isto: - Advogado que é Advogado, deve apresentar-se impecavelmente vestido, manter uma pose de superioridade e formalismo, mesmo perante outros colegas e clientes, de arrogância perante os colegas mais jovens, que considera os Estagiários necessariamente uma classe inferior, mas que depois, nas defesas oficiosas limita as suas alegações finais a um vazio e ineficaz "Peço Justiça!" Conheci no meu percurso pessoal diversos exemplos iguais aos que aqui relato neste parágrafo.

Depois, temos uma triste realidade, a pequena advocacia de província, de Norte a Sul do país encontramos Advogados no limiar da subsistência, casos de pobreza envergonhada, ou assumida. Quem trabalhe na província vai certamente rever-se no que a seguir se descreve.Vai pela rua ou tomar um café, ou está a descansar em casa ( e aqui tocam mesmo à campainha, sem respeitar descanso alheio) e é abordado com o célebre: - "Ó Doutor(a), tem um minutinho para me ouvir? É simples, é só uma perguntinha, e gostava que me aconselhasse aqui num assunto."

Importa referir que a maioria dos Advogados em prática individual, nas pequenas Comarcas de província não aufere rendimentos certos, não tem um salário (nem sequer o salário mínimo), se não tiver avenças (contratos de prestação de serviços com entidades que paguem um valor fixo mensal em troca de apoio jurídico) e tem de recorrer a outras actividades profissionais complementares para sobreviver e garantir o seu próprio sustento e dos seus familiares.

Muitas pessoas desconhecem que se paga para se ser Advogado. Pego no exemplo mais flagrante em termos de valores. Para manter a inscrição activa junto da respectiva Ordem, todo e qualquer Advogado que exerça há mais de quatro anos tem de pagar a Quota Mensal à Ordem dos Advogados no valor de 37,50€. Aliada de forma indissociável à inscrição na sua Ordem Profissional (perante a qual já pagou a inscrição enquanto estagiário) existe a inscrição num regime especial de Previdência - Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores - que implica o pagamento de uma contribuição mensal no valor 243,60€ para todos os Advogados que exerçam há mais de quatro anos (valor para 2018).  Este regime Previdencial para uns, e providencial para outros, está a asfixiar muitos Advogados que não têm como pagar este valor, porque o mesmo é calculado mediante uma presunção de rendimentos (presume o Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS)  que todo e qualquer Advogado que exerça há mais de quatro anos aufere, pelo menos, 1160,00€, o que corresponde a dois salários mínimos nacionais, e sobre este valor deve pagar a contribuição correspondente a 21% do mesmo, em 2018, com o recente aumento do salário mínimo nacional tal ascende à módica quantia de 243,60€).

Acresce que esta contribuição, mesmo para quem a consegue pagar, e muitas vezes com enorme sacrifício, não confere quaisquer apoios em caso de doença. Não existe um qualquer escalão de salvaguarda, não interessam os rendimentos realmente auferidos, antes interessando aqueles que se presumem de forma inilidível, o que a meu ver é flagrantemente inconstitucional.

Perante o impasse e ausência de prometidas alterações ao Regulamento da CPAS, muitos Advogados têm organizado diversas iniciativas de protesto e alerta para esta clamorosa injustiça ( Exposições aos Órgãos das Instituições que regulam a sua prática, exposições ao provedor de Justiça, Petição na Assembleia da República, Queixa junto da Comissão Europeia) e nada surtiu efeito, até ao momento. Nas últimas semanas a indignação cresceu, e os ânimos mais se exaltaram quando, em resposta a uma Carta Aberta dirigida dirigida ao Presidente da República, ao Primeiro Ministro, à Ministra da Justiça, ao Ministro do Trabalho e Solidariedade Social e ao Bastonário da Ordem dos Advogados o Presidente da CPAS menorizou a onda de indignação e teceu , na imprensa, afirmações no mínimo deselegantes acerca dos subscritores da carta, alegando , em resumo, que 600 Advogados descontentes não se tratava de um número representativo da classe num universo superior a 35.000 inscritos.

Igualmente, o caminho apontado pela Presidência da CPAS para obviar a sobrecarregar o orçamento pessoal de quem esteja temporariamente impedido de trabalhar é a suspensão da respectiva inscrição na Ordem dos Advogados.

Nesta semana, já a discussão ia longa na imprensa e nas redes sociais, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados emitiu um comunicado no qual diz compreender a reacção dos colegas e imputando ao Governo a responsabilidade pelo impasse quanto às alterações ainda não alcançadas relativamente ao Regulamento da CPAS. Uma posição ambígua, que permite diversas interpretações e que, a meu ver, peca por assumidamente não implicar qualquer comprometimento.

Perante este toda esta agitação, e com uma nítida e assumida sensação de injustiça, com a crença de que afinal, não é só a opinião pública que tem uma visão enviesada e estereotipada dos Advogados ( mas têm-na muitos membros das instituições que regulam a prática da Advocacia), no próximo dia 26 de Janeiro, pelas 14 horas Advogados de todo o país irão comparecer numa manifestação silenciosa em Lisboa, com início no Largo de São Domingos e que seguirá depois até junto do Ministério da Justiça.

Para muitos Advogados coloca-se uma questão difícil, a de escolher entre a Toga ou a vida!








1 comentário:

  1. O retrato feito pela Colega Isabel de Almeida sobre os profissionais que transportam a toga, mais conhecidos por advogados, merece indiscutivelmente aplauso.

    Sobre a manifestação silenciosa, tratando-se de advogados, não quadra muito, e depois a malta está-se nas tintas para as manifestações seja as silenciosas ou aos berros.

    O que importa é atacar a doença, ou as doenças de que sofre a profissão de advogado, e outras...

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