A crónica de hoje tem um tema sui generis, pode ferir diversas susceptibilidades, será assumidamente polémica, implica que comece com uma declaração de interesses respeitante ao perigo de generalizar situações, mas a opinião que me proponho hoje partilhar com os leitores resulta não de meras especulações, mas de aspectos que conheço por experiência própria, em resultado de ter uma tendência masoquista na escolha das áreas académicas pelas quais decidi enveredar, todavia, destaco que, naturalmente, não conheço o funcionamento de todas as ordens profissionais nacionais, mas não estou, de todo, satisfeita, com o funcionamento daquelas que conheço.
Com claros resquícios de um Corporativismo cinzento próprio de outros tempos, em teoria uma Ordem Profissional, abstractamente considerada, tem como propósito agregar e unir a classe profissional a que diga respeito, zelar pela verificação da adequação da formação académica dos seus membros às exigências próprias de especificidades inerentes às profissões em questão, defender publicamente e perante o poder político instituído, os interesses e direitos legítimos dos seus membros e exercer a actividade reguladora do exercício dessas profissões considerando a prática poder disciplinar entre os seus pares.
Teoricamente, e à partida, pareceria um conjunto de objectivos válidos, pertinentes e até razoáveis aqueles que justificam a existência das ordens profissionais já existentes bem como o surgimento de novas instituições deste género.
Então, perguntarão os leitores menos familiarizados com estas lides, o que há de errado com tão nobres propósitos?
O problema subjacente à manutenção, políticas de gestão e actuação destes organismos (situação em que muitas Ordens Profissionais acabam por redundar) é que se tornam em pesadas e milionárias máquinas administrativas, burocráticas que se alimentam das quotizações e emolumentos cobrados aos seus membros efectivos (e mesmo aos candidatos a membros efectivos, quando é imposto um período de estágio profissional que haveria de ser contemplado nos currículos académicos do ensino superior público e privado) e cuja inscrição é conditio sine qua non para que se possa exercer uma profissão dita liberal.
Ora, a meu ver, estas profissões de liberais pouco ou nada têm, se a inscrição é obrigatória, se há lugar à cobrança de valores a título de quotas e/ou emolumentos avultados, se, muitas vezes, a sua gestão fica entregue a uma elite que tantas e tantas vezes não tem a mais pálida noção da prática individual destas profissões, e das dificuldades que tantos profissionais enfrentam, em tempos de crise económica, por motivos de saúde, ou por tantos outros condicionalismos pessoais e regionais a que possam estar sujeitos, se a missão que fica em destaque é cobrar sem contrapartidas, e limitar o acesso a uma determinada profissão apenas em função da maior ou menor disponibilidade financeira dos candidatos a membros efectivos ou dos membros efectivos , o que sobra de nobres propósitos?
Neste país à beira mar plantado, e conhecido pelos brandos costumes, há jovens que entram nas nossas faculdades com um sonho e que saem de lá para enfrentar um pesadelo de expectativas goradas, e isto independentemente da vocação ou das qualidades que possam ter, simplesmente porque não existem contemplações para uma triagem em termos de status económico, que na verdade é aquele que, hoje em dia, define a aptidão ou não aptidão para ser profissional liberal em diversas áreas, e até define, ou poderá definir, em alguns casos, a continuidade de exercício dessa prática profissional.
Enquanto existir uma tendência de estratificação social para algo tão basilar quanto o acesso a uma profissão, enquanto o poder económico for factor primordial de selecção (não) natural neste âmbito, muito mal estará este país, e prevêem-se tempos agitados para breve, se calhar porque, a pouco e pouco, há mentes que começam a despertar para a necessidade de mudar situações instituídas, porque o Direito de Resistir à tirania dos números é algo que pode começar a ganhar voz.
Há que ter coragem de erguer a voz contra a metáfora Orwelliana de que "uns são mais iguais do que os outros" como contraponto ao verso de uma conhecida canção que reza assim: "Eu queria ser Astronauta, o meu país não deixou!"
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