Recentemente temos assistido à
divulgação pública de diversos casos de assédio. Começou, de forma mais séria,
e, ao que parece, sustentada, com uma acusação ao produtor norte-americano
Harvey Weinstein, ao que se lhe juntaram várias actrizes a corroborar a
acusação de assédio, violação e chantagem sexual.
De imediato, algumas das chamadas
figuras públicas multiplicaram-se nestas confissões e desfilam, um pouco por
todo o lado – incluindo Portugal -, numa parada de moralismo, dizendo terem
sido assediadas por este e aquele. Alguns homens, nomeadamente actores
internacionais de topo, queridos desde sempre do grande público, viram as suas
vidas pessoais e as longas e brilhantes carreiras arruinadas numa fracção de
segundo.
A situação tomou proporções tais
que um grupo de mulheres, onde se encontra a conhecida actriz francesa
Catherine Deneuve, veio em sua defesa, afirmando que é necessário denunciar
situações como a de Weinstein, mas que não se pode generalizar e que estas
acções provocaram uma nova vaga de puritanismo, assente num discurso de ódio
contra os homens.
Tenho quase a certeza que muitos
homens por este mundo fora ficaram com os neurónios a fumegar, ao vasculhar
apressadamente nas memórias mais recônditas, à procura de algum avanço mais
intenso e alguns terão mesmo rezado a todos os santinhos
para que as inocentes insinuações não passassem disso mesmo, na mente dos alvos
dos seus desejos.
Neste ponto, e sem querer
defender este ou aquela, há algumas questões que, inevitavelmente, assaltam a
minha mente: ao que é que se poderá chamar assédio ou simples insinuação?
Quantos de nós, mulheres e homens, podemos dizer nunca ter sido assediados, ou
alvo de insinuações mais ou menos intensas e como lidámos, ou lidamos, com
isso?
Assediar sexualmente é cercar o
outro; é perseguir com insistência, importunando com tentativas forçadas de
contacto sexual. A insinuação é a forma de alguém dar a conhecer ao outro,
subtilmente, as suas intenções, os seus desejos e objectivos. Sem insinuação
não haveria sedução, aquele maravilhoso jogo amoroso em que tanto se diz sem
palavra nenhuma. Ninguém intuiria o que o outro deseja ou sente. Ninguém se sentiria
desejado o que, admitamos, tornaria as nossas vidas muito menos coloridas, sem
aquela dose de “filme cor-de-rosa” que nos faz sentir o coração a bater mais
depressa e nos arrepia deliciosamente a pele e que todos, bem lá no íntimo,
desejamos experienciar. A insinuação alimenta-nos os sentidos, o ego e faz-nos
sentir vivos.
Não devemos confundir a
perseguição com a simples demonstração de sentimentos ou desejos. Uma é
negativa, a outra não. Uma pode ser destruidora, a outra pode ser construtiva e
saudável – grandes amores já nasceram de uma simples insinuação.
Parece-me que, além do modo como
devemos discernir entre uma forma e outra, não confundindo as situações e pondo
tudo no mesmo patamar, é extremamente importante como escolhemos viver qualquer
uma das situações. Se com uma insinuação indesejada temos, tantas vezes, o
cuidado, a sensibilidade de tentar não magoar os sentimentos do outro, no caso
do assédio creio que deve ser feito precisamente o contrário. Acredito que
qualquer assédio deve ser prontamente denunciado. Não se deve esperar décadas
para o fazer, como no caso de algumas alegadas vítimas de Weinstein. Quanto
mais tempo passa, mais tempo o autor do comportamento indevido tem para
continuar a molestar as actuais ou novas vítimas. É importante travar o
comportamento abusivo. É importante afastarmo-nos o mais possível desse tipo de
pessoas. É importante termos amor-próprio. Os assediadores nunca se ficam por
uma vez, ou duas… aquilo há-de continuar; até a vítima se libertar. Poderão dizer
que no caso de um chefe, um patrão, a coisa é mais difícil… o emprego… a
estabilidade… mas qual estabilidade?! Alguém que vive uma situação de assédio
no local de trabalho não tem estabilidade; é impossível tê-la; e rapidamente
essa instabilidade se estende a outras áreas da sua vida. É aqui que entra o
amor-próprio, que nos dá a coragem de viver dignamente e em paz e nos faz
romper com uma situação indesejada, mesmo que isso signifique mudar de local de
trabalho. Nada vale mais que o nosso bem-estar, a nossa tranquilidade.
Creio que, mulheres e homens –
eles também são vítimas de assédio e cada vez mais -, numa situação destas
deverão usar de bom senso para pôr as coisas no seu devido lugar, ao invés de
irem com a corrente, como se de uma moda se tratasse, adoptando posteriores
posturas extremistas e levando tudo à frente como um bulldozer. Se é verdade
que há pessoas que merecem o rótulo de assediadores e devem ser tratadas em
conformidade, não é menos verdadeiro que há outras que estão muito longe disso
e não devem ser “metidas no mesmo saco”.
A Catherine Deneuve diz que isto
despoletou uma vaga de puritanismo – falso, bem entendido; eu digo que o ser
humano sempre gostou de uma boa “caça às bruxas”.
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