“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes,
pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”
*
A
infância do Nunes decorreu dentro da normalidade podre que reinava na sua casa.
O menino não podia correr porque o velho pai não gostava, não podia falar
porque a sua voz o irritava, não podia tocar em nada porque podia partir o
espólio que tanta lábia lhe custara a amealhar às já parcas velhas senhoras
endinheiradas de Lisboa.
Uma coisa
era certa com a sabedoria e sageza do velho pai quando o menino morresse tinha diversos
jazigos bem localizados dentro do cemitério do Alto de São João por onde
escolher passar a eternidade, até porque como se sabe na alta roda lisboeta mesmo
depois de morto tem que se manter a posição social independentemente de como
esta tenha sido adquirida. Já as idosas senhoras e as suas respectivas famílias
não teriam a mesma sorte, teriam sim o privilégio de escolher um qualquer lote
suburbano onde penar pelo seu triste fadário.
O velho
pai mantinha, no entanto, enormes expectativas para este filho, tentando criá-lo
à sua imagem e semelhança não fosse a diferença de alturas que por esta altura
já os separava por uns bons dez centímetros a favor do Nunes. Pouco letrado,
mas com o douto conhecimento que a vida lhe dera, o velho pai conseguiria incutir-lhe
o mesmo princípio pelo qual regera toda a sua vida: “Não interessava como
obtinha tudo o que se queria ter desde que o fizesse”. E assim Nunes aprendeu a
sua primeira grande lição, isso e aprender a dizer restaurant carregando bens os erres
e a usar o plastron a envolver-lhe o
pescoço cheio de acne por não deixar a pele respirar devidamente.
O Nunes entrava na adolescência
com as expectativas do pai a cairem por terra tal como a presunção de o vir a
casar um dia com a princesa Vitória da Suécia e poder assim, ter um filho a
quem todos chamariam de rei ainda que fosse consorte.
Nunes acabava por ser também
ele a sua má sorte.
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