“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes,
pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”
*
Depois de um início de vida
privado de todos os objectos da moda, spectrum, walkman, lembrando somente
alguns, mas que todos os amigos tinham, Nunes pensava poder ter finalmente
alguns dos benefícios que a maioridade lhe garantiria. Lançava olhares
disfarçados ao seu velho pai tentando perceber o que lhe teria preparado para o
importante dia, enquanto tentava retirar parcas palavras da sua mãe, pois a
coitada continuava a preferir adotar a postura de distraída a roçar o lerdo
abstraindo-se de tudo o que a rodeava mesmo que isso implicasse o
desaparecimento do marido durante todos os meses que compunham o Verão.
Na verdade, nunca soube o que
fazia ou para onde ia o velho manhoso, mas naquela fase da sua vida também
pouco lhe interessava afinal aqueles meses acabavam por ser sagrados para ela
pois fazia o que mais gostava, dormir, melhor mesmo seria se o Nunes fosse para
casa do primo onde aliás ultimamente passava mais tempo do que na própria casa.
Chegou o grande dia e o pai
organizou um jantar de aniversário que envolvia a família e mais um ou dois
casais conhecidos, pois era necessário que alguém trouxesse o vinho para regarem
a celebração. Já oferecia a casa e a língua de vaca estufada, nos meses que se
avizinhavam ficariam a pão duro e água, sendo que esta tinha que ser racionada,
porque até ficava seco de pensar nas contas, pelo que as oferendas deveriam ter
utilidade e chegar em forma de bebida.
Os convidados conhecendo bem o
seu anfitrião já vinham jantados de casa e por esse motivo a língua de vaca
conseguia voltar a ser congelada quase intocada para ser requentada na ceia do
Natal seguinte.
O Nunes andava cabisbaixo,
exceptuando a família não conhecia nenhum dos outros convidados, mais uma vez
não tinha o seu único amigo Paulitos presente porque o pai não gostava dele. Ia
esbanjando todo o seu charme, como o pai lhe ensinara. Envergando calças de
ganga azul deslavada com uma camisa no mesmo tom, circulava pelo meio dos
convivas com o seu copo de vinho inalterado. Bebericando. Não aguentava bem a
bebida e particularmente naquele dia nada poderia correr mal.
Mas correu. Quando inchado se
aproximou de duas primas trazidas de propósito para conhecê-lo, não sabia ao
certo o que fazer aproximou-se cantarolando “uma é loira, outra é morena…” e
sem ninguém esperar no único momento de coragem que teria em toda a sua vida,
bebeu o liquido de um trago desajeitadamente partindo o copo com os dentes. As
primas abriram muito os olhos de espanto, aquela era uma imagem que ficaria
para sempre marcada nas suas memórias por muitos anos que vivessem. Nunes
com um pedaço do vidro do copo na boca a esgaçar um sorriso enquanto o primo
aparecia para o salvar do ridículo, apesar de já ser um pouco tarde para isso.
Pousou-lhe a mão no ombro comunicando em voz alta.
- Não bebas mais que hoje vais
finalmente conhecer os prazeres que uma meretriz da noite te pode oferecer. Eu
pago.
E assim o Nunes conheceria da
pior forma como dar prazer a uma mulher, sem saber, no entanto, que nem sempre
quando se ouvem gemidos signifique que a coisa esteja a correr bem pode ser
também o sinal de que se deve despachar porque vai começar uma telenovela
brasileira nova a não perder.
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