“Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes,
pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”
*
“Cabo é rabo, rabo é cú, cú é merda e merda és tu”
e foi ao som da melodiosa música acompanhada pela banda do seu aquartelamento
que Nunes ficou a conhecer a sua posição na hierarquia militar a partir daquele
dia.
A verdade é que o coitado que estava habituado a
fazer um pouco de nada foi obrigado a uma dolorosa recruta em Tancos e de nada
lhe valia chorar, porque a partir daquele momento não tinha o paizinho para o
aconselhar. Até uma ingreme ladeira de casquilho foi obrigado a subir e descer
numa noite de trovoada e frio. No dia seguinte tiveram que furar as unhas dos
pés do menino com um alfinete em brasa para que o sangue pisado pudesse sair. Dias
mais tarde caiam-lhe as unhas. Na realidade o rapaz tinha umas unhas tão horríveis
que o que lhe aconteceu naquele dia veio melhorar consideravelmente a visão
daqueles pés.
Não havia uma única manhã em que o Nunes não chegasse
atrasado à formatura sendo de todas elas severamente castigado. Mas aprenderia
algo importante para o resto da sua estadia naquele SPA militar, a mais
importante que não voltaria a lavar a roupa interior à mão pois isso deixava-lhe
bolhas maiores que os próprios dedos. As camaratas, essas brilhavam depois de
ser obrigado a limpá-las com a sua escova dos dentes, já as favolas do menino começavam
a acumular uns fungos verdes que deixavam muito a desejar. Mr. Ed ficaria desgastado por encontrar um seu conterrâneo em tão
mal estado.
Numa manhã, devido à sua petulância e à
incapacidade de a controlar respondeu sorrindo ao seu sargento, escusado será
dizer que nem se apercebeu quando a mão deste voou na sua direção
entortando-lhe a gravata, e foi assim que tirou a fotografia para registo
oficial, faces rosadas e bivaque ao lado. O pior mesmo foi quando todo o seu
batalhão foi castigado por se ter recusado a comer a ração de combate, passaram
toda a noite a marchar à chuva. As represálias do que aconteceria
posteriormente prefiro não as descrever por serem demasiado gráficas.
A verdade é que ansiava pelo fim da recruta.
Num final de tarde de sexta-feira na primeira vez
que lhe era dada ordem de soltura o Cabo Nunes voltava fardado, havia que
impressionar a vizinhança a quem o pai já dissera que o filho era Major.
Para a mãe sobrava uma vez mais a lavagem das
cuecas e meias do menino que de tão sujas que estavam conseguiam manter-se em
posição de formatura na janela da varanda do seu quarto.
Naquele fim de semana tantas vezes o asno se queixou
a seu pai das injustiças a que era submetido que este só para não o ouvir mais
lá conseguiu meter uma cunha através de um amigo, de um amigo, de um amigo que
conhecia um comandante de pelotão perto de casa para ver se o menino ficaria mais
resguardado até ao final da tropa.
O asno zurrou de prazer tinha uma vez mais conseguido
ser bafejado pela sorte.
E assim lá voltou para o aquartelamento escolhido
à base de muita cunha naquela segunda-feira de manhã onde passou a fazer
recados da secretaria e a dormir todo o resto do dia num velho colchão
abandonado num sótão do barracão das mercearias.
Sem comentários:
Enviar um comentário