Quando soa a palavra luto imediatamente nos acode à mente a ideia da morte de alguém querido, ou mesmo de um animal de estimação, mas a verdade é que o processo de luto, que em termos muito simplistas (e num esforço de fugir a uma teorização científica muito elaborada em termos de psicologia, esforço este tanto mais complicado, porquanto se trata de uma das minhas áreas de interesse em termos de investigação científica) poderemos definir enquanto o processo de gestão psicológica de uma perda na vida de qualquer indivíduo, poderá advir de distintas situações que correspondam a mudanças significativas que tenhamos de encarar.
Ou seja, além do luto perante o desaparecimento físico de seres que nos são queridos, o curso natural da vida de cada indivíduo está pejado de diversas mudanças ( mais ou menos normativas) que desencadeiam processos de luto, processos estes cuja elaboração em termos psicológicos nem sempre será encarada de ânimo leve.
Situações como a perda de qualidade de vida associada a uma situação de doença, o fim de uma relação amorosa, a perda de uma amizade, o desemprego, o divórcio, uma mudança definitiva de casa, alterações na vida familiar (que podem até decorrer do curso normal da vida, a título de exemplo, podemos referir o "síndrome do ninho vazio", que sucede quando os filhos adultos abandonam a casa dos pais, para constituir o seu próprio núcleo familiar, gerando uma alteração das rotinas familiares, suprimindo a possibilidade de cuidar dos filhos de forma mais próxima e tradicional e potenciando, precisamente, uma sensação desconfortável de "vazio" perante a ausência dos filhos).
Uma alteração forçada em termos profissionais, com a frustração de expectativas em termos de carreira (apontando-se como exemplo a impossibilidade de exercer uma determinada área profissional por motivos conjunturais financeiros) poderá redundar também na vivência de um processo de luto.
Uma das questões prementes, neste âmbito do luto, e considerando-se o assumido envelhecimento demográfico da nossa população, é a perda da vida activa em termos profissionais, com a entrada na reforma acompanhada de uma cessação efectiva da actividade profissional. Poderão surgir dificuldades de adaptação a esta fase natural no curso de vida humano, sendo importante ir ponderando a prática de actividades de lazer e convívio que possam promover a ocupação dos tempos livres (agora mais alargados em termos de disponibilidade), sendo aconselhável promover a participação e envolvimento de indivíduos em grupos de pessoas que comunguem do mesmo contexto pessoal, e com os quais possam desenvolver novas competências passíveis de estimular as aptidões cognitivas (por exemplo, clubes de leitura ou de declamação de poesia) gerando novas aprendizagens, sendo ainda relevante a prática (naturalmente adaptada à condição física de cada pessoa) desportiva ou recreativa ( zumba, dança ou simples caminhadas em grupo).
Importante ainda, e na sequência desta linha de pensamento atinente à gestão do luto pela perda da vida profissional activa, poderá ser o convívio intergeracional (por exemplo, ajudar a cuidar dos netos, e partilhar activamente experiências com estes).
Em suma, qualquer mudança com repercussões negativas pode implicar o surgimento de um processo de luto, para cuja elaboração (solução) poderá ser mesmo necessário recorrer a terapia especializada, sendo também comum, a ocorrência de sobreposição de estados depressivos e de processo de luto.
Dada a complexidade deste tema, voltaremos futuramente a abordar outras vertentes do processo de luto, mormente, a patologia que poderá desencadear-se perante o alargamento do período normal de luto para além dos parâmetros considerados normais entre a comunidade científica que se dedica ao estudo e ao trabalho em contexto de prestação de cuidados de saúde mental.
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