Entre 1984 e 2001 decorreram as dez temporadas de uma das minhas séries preferidas de televisão, considerada um verdadeiro clássico "La Piovra" (no nome original em Italiano), "O Polvo", em Português.
Tratando-se de uma série cuja intriga se centra no seio da Cosa Nostra, a célebre Máfia Siciliana, é natural que muitas das personagens não tenham sobrevivido ao longo das temporadas, por razões óbvias para quem, como eu, se interesse por este tipo de temática.
Ora, considerando os diversos casos que vêm abalando a actualidade nacional, e que envolvem redes de corrupção, lobbying, lealdades e deslealdades em quadrantes tão distintos como a política, o sistema financeiro, o sistema judicial, ou o desporto, acredito agora que, em termos de "polvos" - a metáfora para os tentáculos das diversas máfias - nada devemos a Itália, apenas com a nuance de, pelo menos por enquanto, e na grande maioria dos casos, ainda não se ter assistido a homicídios por "vendetta" (a vingança cruel destinada a todos aqueles que enfrentam a máfia, por dever de ofício e/ou por princípios, crenças e valores que, lamentavelmente, vão caindo em desuso).
Jogos de bastidores, ligações perigosas, poderes e intenções obscuros, favores que se pagam com outros favores, intenções apenas boas na sua aparência mas que servem, tantas e tantas vezes, para promover uma ascensão social, política e económica são circunstâncias verdadeiramente corriqueiras no nosso país.
Todos estes casos mais mediáticos me incomodam, desde logo, como cidadã e contribuinte a quem também vão chegando as contas da austeridade para pagar abusos aos quais somos alheios (todos os anos pensamos, nós cidadãos comuns, qual será o próximo colapso financeiro do sector bancário cuja conta nos será discretamente, ou nem tanto, ser apresentada), e creio que tudo isto hipoteca o futuro das gerações vindouras.
Mas entre todos os sectores, talvez por (de)formação profissional, sinto-me incomodada e, diria, mesmo assustada, perante a vulnerabilidade do sector da justiça, a qual, creio encontrou um sério propulsor na desmaterialização dos processos judiciais (veja-se com olhar crítico o ciclo de vida do sistema informático da justiça - citius- e tirem-se, sem pejo, as devidas ilações).
Olhe-se, com suspeição, e reconheça-se essa sensação de insegurança constante, para um país onde em muitas matérias de direitos fundamentais, consagrados constitucionalmente, se mantêm bem vivos os formalismos totalmente desprovidos de conteúdo.
Suspeite-se, aponte-se o dedo, denuncie-se e enfrente-se (obviamente dentro dos parâmetros da legalidade) toda e qualquer instituição, de todo e qualquer sector da nossa sociedade, que vire as costas à análise casuística daquela que é a essência de cada ser humano, e das heterogeneidades inerentes à nossa população, e que não viremos todos a cara, assobiando para o lado, às situações de clamorosa injustiça social e humana, e àqueles que são mais vulneráveis, pelas mais diversas razões!
Nunca a forma deverá sobrepor-se ao conteúdo (à essência), nunca deveremos aceitar passivamente e como se fossemos isentos de quaisquer responsabilidades, tudo aquilo que consideramos, em sã consciência, injusto, e que nunca hesitemos em, sempre que possível e com recurso às "armas" que cada um de nós melhor domine, enfrentar sistemas que, no fim de contas, são anti-sistemas, pelo simples facto de servirem interesses pessoais e menos claros, ao invés de zelarem pelo cumprimento dos princípios válidos e justos que estiveram subjacentes à sua génese.
Portanto, os "polvos" existem, podem apresentar diversas dimensões, mas que não seja o seu tamanho a impedir-nos de, pelo menos, tentar vencê-los!
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