Todas as semanas, no exacto momento em que me sento em frente ao computador para escrever estas linhas, acalento a esperança de não ter de me debruçar sobre as temáticas do Direito, da Justiça e do (triste) estado em que se encontra a Advocacia Portuguesa!
Lamento informar que, mais uma vez, a minha esperança de conseguir divergir para a análise de outras questões saiu gorada.
Façamos então, em traços largos, o ponto da situação.
É-me extremamente incómodo observar o autismo ou a negação mal disfarçados (frise-se) de instituições cujo propósito seria o de zelar por uma evolução positiva da Justiça, da sua aplicação na prática, de molde a não colocar em risco os princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico, mas infelizmente, não caminhamos para bom porto, e para acrescer à incomensurável gravidade de toda esta situação, acredita-se talvez não ingenuamente (em termos institucionais) que tudo está bem no "País das Maravilhas"... e apenas umas quantas almas insatisfeitas e inconsequentes se atrevem a contestar dogmas de cariz quase religioso, diria, pergunto-me se os insatisfeitos, os contestatários (entre os quais orgulhosamente e não sozinha me incluo) estarão limitados na sua apreciação crítica da realidade que percepcionam no terreno (no dia a dia dos seus escritórios, nos tribunais, sempre que consultam a legislação e quando recordam o que aprenderam nos cinco longos anos da Faculdade de Direito) por um estranho surto psicótico de alucinação colectiva...
Esta semana foram conhecidas as posições oficiais do Ministério da Justiça, da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e da Ordem dos Advogados, que constam dos documentos de Pronúncia sobre o objecto da Petição nº 477/XIII/3ª. a qual solicita uma auditoria contabilística, financeira, de gestão e legal, externa e independente à CPAS.
Em suma, o Ministério da Justiça sufraga uma opinião que diríamos conciliadora, esperançosa e confiante quanto à sustentabilidade da CPAS, empurrando para a esfera da gestão privativa daquela instituição "Previdencial" a responsabilidade do que venha a suceder, mas, em simultâneo, e numa certa ambiguidade benevolente, reconhecendo que é preciso fazer algumas cedências de entre as quais destaco: o não pagamento temporário de contribuições em situações de incapacidade para o trabalho por doença grave ou maternidade, comprovada que seja a ausência de rendimentos dos beneficiários. Isto, numa primeira análise, não me parece mau, parece-me é clara e perigosamente vago, difuso e insuficiente para o que se passa com tantos Advogados neste país.
Salvo o devido respeito, não se resolvem questões sociais de fundo (e que terão repercussões gravíssimas a breve trecho, onerando a Segurança Social - Regime Geral - quando assistirmos à fuga em massa de profissionais do foro, por impossibilidade de prover ao seu sustento, asfixiados por um paradigma contributivo que os irá "matar"), parece-me, como diz o povo na sua sabedoria "Tapar o sol com a peneira"!
A Ordem dos Advogados, assumindo agora, sem margem para dúvidas, a solidariedade institucional com a CPAS (pelo menos reconheço o mérito de alguma honestidade intelectual que andava camuflada em silêncios incómodos e perplexidades mais ou menos contidas perante a contestação pública) defende firmemente a ideia de que a sustentabilidade é possível e está assegurada. Um grande senão desta postura, a meu ver é também falacioso ou ingénuo e revela, no mínimo, um extremo desconhecimento do terreno.
Não me canso de repetir que muitos advogados terão de deixar de exercer,a manter-se esta linha condutora institucional, por mera asfixia financeira, que é infelizmente real e não mera ficção, e porque o paradigma contributivo actual assenta, ele sim, numa ficção (presunção legal quanto aos rendimentos auferidos) que será potenciadora de tragédias pessoais infelizmente reais, e porque há todo um conjunto de casos pessoais verdadeiramente dramáticos que afectam além dos advogados as suas famílias e existem incapacidades para o trabalho não apenas temporárias mas tendencialmente permanentes que, olhando para a tímida e vaga proposta de alteração das normas regulamentares em vigor não irão ser sequer contempladas, o que é estranho e assusta!
Deixo para o fim uma brevíssima mas incisiva análise crítica à pronúncia da CPAS acerca da consulta para efeitos da Petição supra identificada. Resumindo o extenso documento (que poderá ser consultado em link acima indicado no presente artigo e cuja leitura vivamente aconselho a todos os interessados nesta matéria) a meu ver, parece-me que fica bem patente a frieza dos números a sobrepor-se à essência do que são seres humanos (lá terei de me repetir, os advogados, pelo menos alguns... são seres humanos, com vicissitudes de toda a ordem, e também de natureza financeira, carecem de prover ao seu sustento, há advogados no limiar da subsistência, há advogados que padecem de doenças graves e incapacitantes, há advogados que tendo, pelos vistos, apostado na profissão errada por ser reconhecidamente "de elite" não terão sequer reforma, há advogados que estão a ser convidados a abandonar a sua profissão por um sistema que se assume agora implacavelmente intransigível!
Numa nota final, reitero que vivemos, ainda em democracia (assim quero crer) que não sendo perfeita dista muitos séculos de distância da democracia Grega na génese das Cidades Estado da Grécia Clássica e que, considerando tal circunstancialismo, se mais nada nos for permitido, pelo menos que possamos continuar a tecer juízos críticos, de (des)valor, a expressarmos livremente as nossas opiniões em artigos de imprensa, nas redes sociais, e a exercer todos os direitos de cidadania, porquanto a liberdade de expressão ainda não perdeu a sua consagração na sua lei fundamental (artigo 37º da Constituição da República Portuguesa), não sendo aceitáveis quaisquer formas de censura (pelo menos, quero crer que assim seja)!
Destarte, deixo-vos com a seguinte citação literária:
"Primeira coisa a fazer: matar todos os advogados."
In, Henrique VI, parte II - William Shakespeare
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