“Vizinha, tem um pezinho de salsa que me ceda? Estava a fazer o jantar e só agora dei conta que não tenho.”
Lembram-se
desta frase? Era usada muitas vezes entre vizinhos, fosse sobre salsa ou outra
coisa qualquer. Já tem algum tempo, mas os que andam agora entre os quarenta e
os cinquenta anos, no mínimo, lembram-se com certeza.
E a
resposta, de sorriso franco nos lábios, era sempre a mesma: “Claro que sim;
entre, entre, que vou buscar; veja lá se lhe chega, leve mais um bocadinho.”
Há algum tempo vivia-se assim, com
confiança uns nos outros e o respeito de uns pelos outros. Os vizinhos não eram
apenas aqueles que viviam no mesmo prédio; não; eram amigos para o dia-a-dia,
alguns mesmo para a vida – tantas amizades genuínas e bonitas nasceram assim,
de se morar lado a lado -, a quem confiávamos os nossos dilemas, os nossos
filhos, quando necessitávamos de sair a algum lado sem os miúdos, com quem se
trocava dois dedos de conversa interessante e interessada e a quem se pedia
ajuda em caso de qualquer aflição. As crianças cresciam a conviver umas com as
outras e as amizades já existentes entre os pais passavam, naturalmente, para
os filhos. Aqueles podiam ficar descansados quando os pequenos estavam na casa
do vizinho, pois sabiam perfeitamente que seriam bem tratados, com lanche e
tudo, tal como eles tratavam os filhos dos seus companheiros de prédio.
Era
uma vivência saudável, pacata, bonita e um excelente exemplo para os mais
jovens.
Depois tudo mudou.
Entrámos na era do “eu” - como se nunca tivéssemos existido individualmente até
ali -, na igualdade em todos os aspectos, no ter tanto ou mais que o outro, no
consumismo ostensivo e, em consequência, tornámo-nos introvertidos,
desconfiados de todas as intenções, “mandámos a entreajuda às urtigas” e
passámos a tratar-nos uns aos outros como verdadeiros estranhos que, muitas
vezes, nem se cumprimentam com um simples bom dia. Em muitos prédios há pessoas
que não se conhecem de todo, pois nunca se viram.
Não
me parece natural que pessoas que partilham o mesmo espaço não se conheçam, por
exemplo. É verdade que há portas a dividir-nos uns dos outros mas estamos
envolvidos por um espaço comum.
A meu ver estamos a tornar-nos, e a
gerar, criaturas desprovidas de qualquer compaixão e empatia. A classe médica
na área da psiquiatria diz mesmo estar preocupada com a ausência crescente de
pessoas empáticas, por ser um travão natural para acções menos próprias para com
o outro. De facto, vivemos um tempo em que as disputas, as guerras, os
diferendos imperam e o resto, aquilo que realmente importa e de que tanto
necessitamos, pois distingue-nos dos demais animais, é já quase uma miragem.
É o Homem que
cria os seus fantasmas e os traz à vida; só ele poderá combatê-los e
erradicá-los da sua existência.
Sem comentários:
Enviar um comentário