É inegável a necessidade de uma evolução de mentalidades que seja propícia a proporcionar a todas as vítimas do crime de violência doméstica o necessário apoio e ajuda, não apenas em termos jurídicos, mas num modelo multidisciplinar, que envolva também técnicos de acção social, psicólogos, sociólogos que ajudem a perceber os fenómenos subjacentes aos contextos sociais variados onde surge esta temática, apenas para referir de modo abreviado um possível modelo de abordagem interventiva neste âmbito deveras sensível.
O crime de violência doméstica mostra-se tipificado no artigo 152º do Código Penal Português, compreendendo a prática reiterada ou não de maus tratos físicos ou psíquicos, nomeadamente, castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais. Este tipo de crime tem, naturalmente, como outros, merecido uma crescente evolução no que diz respeito à tutela penal dos interesses das vítmas, desde logo, tornou-se um crime de natureza pública (não carecendo de queixa). Cabe destacar que, mais recentemente, a Lei nº 24/2017, de 24/05 veio promover diversas actualizações ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, alterando a redacção inicial da Lei nº 112/2009, de 16/09.
Ora, na passada sexta-feira dia 6 de Julho de 2018 veio a público um Protocolo de Cooperação formalizado entre a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e a Ordem dos Advogados Portugueses, no âmbito do qual fica prevista a criação de uma área adicional de intervenção no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais designada de "Violência Doméstica/igualdade de género", que deverá ser considerada nas próximas inscrições de Advogados neste sistema, e que contemplará a criação de uma Lista Nacional de Advogados inscritos naquela área de intervenção. Ademais, decorre do teor do Protocolo supra aludido que será promovida formação aos advogados que optem por tal área de intervenção em sede de Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT), depreendendo-se do teor do protocolo que tal formação possa ser incumbência quer da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, quer da Ordem dos Advogados, mas não ficando claro em que moldes decorrerão tais formações.
Nada a opôr, obviamente, a todas as medidas que visem agilizar e melhorar o apoio prestado às vítimas de violência doméstica, nomeadamente em sede de apoio jurídico, mas deve referir que me suscitou algumas dúvidas a leitura do Protocolo de Cooperação, principalmente quando se alude à questão da formação (aguardam-se desenvolvimentos sobre os moldes em que tal formação possa ser acedida pelos advogados, e confesso-me muitíssimo curiosa, nomeadamente, espero que a mesma seja gratuita!), por outro lado, aprofundando mais a questão, não me faz sentido criar mais uma cisão ou categorização de advogados por área de intervenção, na medida em que, a meu ver, qualquer advogado que escolha intervir em direito penal/criminal estará ou estaria automaticamente elegível para patrocinar um processo de violência doméstica, refiro-me em concreto ao contexto do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
Destarte, embora encare a formação, genericamente considerada, enquanto uma inerência e incumbência do exercício da advocacia, pois que volto a frisar que somos todos "especialistas em generalidades" (com excepção ao processo de obtenção do título de Advogado Especialista, que se encontra regulamentada Regulamento Geral das Especialidades, e que, entre outras áreas, inclui a especialização em Direito Criminal), numa reflexão mais profunda, não me parece muito lógico considerar uma área à parte, dentro do Direito Penal Português, um tipo legal de crime, como aquele que estamos a considerar quando falamos de Violência Doméstica!
Em bom rigor, o Direito Penal é um sistema, "um todo", que engloba princípios gerais, e a parte especial constituída por cada um dos crimes tipificados na nossa Lei Penal, entre os quais se inclui o crime de Violência Doméstica!
Cada caso é um caso, e certamente por questões pessoais, nomeadamente objecção de consciência, opinião pessoal ou particular susceptibilidade ou sensibilidade perante um dado ilícito criminal, admito que qualquer advogado possa legitimamente não se sentir confortável, e logo não técnica e deontologicamente apto a exercer patrocínio num processo em que esteja em causa este ou qualquer outro tipo legal de crime, mas, ao invés, de um modo geral, entendo que qualquer advogado que quer no âmbito do SADT, quer a título de Mandato, se sinta capacitado para litigar em sede de Processo Penal está perfeitamente apto para intervir num processo por crime de violência doméstica, ou num outro tipo de ilícito, como homicídio, furto, roubo etc...
Espero sinceramente que este protocolo, quando alude a formação, não pretenda diferenciar advogados no sentido de considerar que existe uma carência de formação/aptidão para os colegas que integram o SADT, pois se assim for, as boas intenções (de socorrer vítimas de um crime dos mais nefastos e de maior repercussão social) ironicamente acabam por servir de pretexto para começar a pôr em prática uma ideia que veio a lume no VIII Congresso dos Advogados Portugueses, que se prende com formação obrigatória para os causídicos que integrem o SADT e que não foi aprovada pelo Congresso...
Tenho sempre dificuldade em acreditar em coincidências, e os últimos tempos vivenciados no seio da advocacia nacional, conturbados, estranhos e de viragem (espero que, a final, para melhor, embora o caminho nem sempre se mostre fácil) têm-me mostrado que não há coincidências, mas vejo-me constantemente assaltada por muitas dúvidas, apenas com esta certeza de que não há coincidências!
Só posso esperar e desejar que a exequibilidade desta cooperação entre entidades não venha a revelar-se criadora de novas cisões entre advogados!
Haverá sempre na minha mente uma pitada de dúvida metódica, certamente um vestígio dos tempos em que estudei René Descartes, as dúvidas são sempre muitas, e são poucas as certezas.
O crime de violência doméstica mostra-se tipificado no artigo 152º do Código Penal Português, compreendendo a prática reiterada ou não de maus tratos físicos ou psíquicos, nomeadamente, castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais. Este tipo de crime tem, naturalmente, como outros, merecido uma crescente evolução no que diz respeito à tutela penal dos interesses das vítmas, desde logo, tornou-se um crime de natureza pública (não carecendo de queixa). Cabe destacar que, mais recentemente, a Lei nº 24/2017, de 24/05 veio promover diversas actualizações ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, alterando a redacção inicial da Lei nº 112/2009, de 16/09.
Ora, na passada sexta-feira dia 6 de Julho de 2018 veio a público um Protocolo de Cooperação formalizado entre a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e a Ordem dos Advogados Portugueses, no âmbito do qual fica prevista a criação de uma área adicional de intervenção no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais designada de "Violência Doméstica/igualdade de género", que deverá ser considerada nas próximas inscrições de Advogados neste sistema, e que contemplará a criação de uma Lista Nacional de Advogados inscritos naquela área de intervenção. Ademais, decorre do teor do Protocolo supra aludido que será promovida formação aos advogados que optem por tal área de intervenção em sede de Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT), depreendendo-se do teor do protocolo que tal formação possa ser incumbência quer da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, quer da Ordem dos Advogados, mas não ficando claro em que moldes decorrerão tais formações.
Nada a opôr, obviamente, a todas as medidas que visem agilizar e melhorar o apoio prestado às vítimas de violência doméstica, nomeadamente em sede de apoio jurídico, mas deve referir que me suscitou algumas dúvidas a leitura do Protocolo de Cooperação, principalmente quando se alude à questão da formação (aguardam-se desenvolvimentos sobre os moldes em que tal formação possa ser acedida pelos advogados, e confesso-me muitíssimo curiosa, nomeadamente, espero que a mesma seja gratuita!), por outro lado, aprofundando mais a questão, não me faz sentido criar mais uma cisão ou categorização de advogados por área de intervenção, na medida em que, a meu ver, qualquer advogado que escolha intervir em direito penal/criminal estará ou estaria automaticamente elegível para patrocinar um processo de violência doméstica, refiro-me em concreto ao contexto do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
Destarte, embora encare a formação, genericamente considerada, enquanto uma inerência e incumbência do exercício da advocacia, pois que volto a frisar que somos todos "especialistas em generalidades" (com excepção ao processo de obtenção do título de Advogado Especialista, que se encontra regulamentada Regulamento Geral das Especialidades, e que, entre outras áreas, inclui a especialização em Direito Criminal), numa reflexão mais profunda, não me parece muito lógico considerar uma área à parte, dentro do Direito Penal Português, um tipo legal de crime, como aquele que estamos a considerar quando falamos de Violência Doméstica!
Em bom rigor, o Direito Penal é um sistema, "um todo", que engloba princípios gerais, e a parte especial constituída por cada um dos crimes tipificados na nossa Lei Penal, entre os quais se inclui o crime de Violência Doméstica!
Cada caso é um caso, e certamente por questões pessoais, nomeadamente objecção de consciência, opinião pessoal ou particular susceptibilidade ou sensibilidade perante um dado ilícito criminal, admito que qualquer advogado possa legitimamente não se sentir confortável, e logo não técnica e deontologicamente apto a exercer patrocínio num processo em que esteja em causa este ou qualquer outro tipo legal de crime, mas, ao invés, de um modo geral, entendo que qualquer advogado que quer no âmbito do SADT, quer a título de Mandato, se sinta capacitado para litigar em sede de Processo Penal está perfeitamente apto para intervir num processo por crime de violência doméstica, ou num outro tipo de ilícito, como homicídio, furto, roubo etc...
Espero sinceramente que este protocolo, quando alude a formação, não pretenda diferenciar advogados no sentido de considerar que existe uma carência de formação/aptidão para os colegas que integram o SADT, pois se assim for, as boas intenções (de socorrer vítimas de um crime dos mais nefastos e de maior repercussão social) ironicamente acabam por servir de pretexto para começar a pôr em prática uma ideia que veio a lume no VIII Congresso dos Advogados Portugueses, que se prende com formação obrigatória para os causídicos que integrem o SADT e que não foi aprovada pelo Congresso...
Tenho sempre dificuldade em acreditar em coincidências, e os últimos tempos vivenciados no seio da advocacia nacional, conturbados, estranhos e de viragem (espero que, a final, para melhor, embora o caminho nem sempre se mostre fácil) têm-me mostrado que não há coincidências, mas vejo-me constantemente assaltada por muitas dúvidas, apenas com esta certeza de que não há coincidências!
Só posso esperar e desejar que a exequibilidade desta cooperação entre entidades não venha a revelar-se criadora de novas cisões entre advogados!
Haverá sempre na minha mente uma pitada de dúvida metódica, certamente um vestígio dos tempos em que estudei René Descartes, as dúvidas são sempre muitas, e são poucas as certezas.
"Daria tudo o que sei pela metade do que ignoro."
René Descartes
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