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segunda-feira, 3 de junho de 2019

ENTREVISTA / "COREIA DO NORTE, ESTADO DE PARANÓIA" de PAUL FRENCH / EDITORA GRUPO SAÍDA DE EMERGÊNCIA


Paul French nasceu em Londres, onde estudou nem como em Glasgow. Viveu e trabalhou durante muitos anos em Xangai. É um especialista de renome no que toca à Coreia do Norte e um comentador e analista com uma obra amplamente publicada acerca da Ásia. Escreveu diversos livros sobre a História da China até 1949, sobre política e temas actuais da Ásia. A sua bibliografia inclui uma História da Coreia do Norte, uma biografia do publicitário aventureiro Carl Crow, de Xangai, e uma história sobre correspondentes estrangeiros na China. Em 2013, recebeu o Prémio Edgar para Melhor Crime Factual, com o seu bestseller internacional Midnight in Peking.

Tudo o que consta desta entrevista e muito mais poderão encontrar no livro do autor “Coreia do Norte, Estado de Paranóia”.

“É melhor não perguntar sobre Direitos Humanos”

MBC – Porquê a Coreia do Norte?
PF - Vivi na China, mas costumava visitar a Coreia do Norte numa base regular por pura curiosidade.
Na minha juventude estudei chinês e tal como todos os jovens europeus nos anos 80, que estudaram chinês e coreano acabávamos sempre por visitar Pequim ou Xangai. E dávamos por nós a tentar decidir qual seria o próximo país a visitar, a Mongólia ou a Coreia do Norte.
Aconteceu que acabei por visitar Pyongyang e dei comigo a pensar que pouco se tinha ainda escrito sobre aquele país, particularmente na América ninguém falava sobre assuntos que eu considerava importantes, como a possibilidade de a Coreia do Norte invadir a Coreia do Sul e vencer.
Lembro-me que naquela altura existia muito pouca informação. Agora já existe mais, mas é-nos maioritariamente transmitida por quem conseguiu fugir. Depende de nós acreditarmos se o que nos contam é ou não verdadeiro. A realidade é que ninguém consegue realmente explicar como é que passados trinta anos após o colapso da sua economia este país se transformou na desordem que é hoje.
MBC – Após 1905, a península Coreana foi ocupada pelo Japão ao vencer a guerra contra o Império
Russo. Como explica que Kim Il-Sung, o avô do actual líder, conseguisse ao mesmo tempo ser assistente da União Soviética e chefe de guerrilha em Pyongyang?
PF – Ele fez parte da geração de combatentes pela liberdade da Segunda Guerra Mundial tal como Josip Broz Tito e, tal como eles era um verdadeiro guerrilheiro. Ao nascer numa Coreia ocupada pelo Japão tinha um sentimento de luta pela liberdade.
MBC - Em 1941, Kim Il-Sung vivia no Leste da antiga União Soviética e o filho Kim Jong-Il nasceu em território soviético. Como explica a sua rápida ascensão ao poder na Coreia do Norte?
PF – No final da Segunda Grande Guerra com a derrota dos Japoneses, os aliados dividiram a Coreia. O Norte foi entregue aos Soviéticos e o Sul aos Americanos. Quer dizer, existe uma linha muito aleatória do paralelo 38, separada pela Zona Desmilitarizada ou DMZ. Kim Il-Sung foi o responsável pela reconstrução do país tal como se mantém até hoje. Acreditava que a Nação devia ser auto-suficiente, tinham que ser grandes em tudo.
Falo no livro que durante os primeiros dez a quinze anos a Coreia do Norte esteve muito à frente da Coreia do Sul que era bastante mais pobre. Mas depois a Coreia do Sul tornou-se num caso de sucesso e a Coreia do Norte não.
MBC – No seu entender teve algo a ver com a guerra entre o Norte e o Sul que durou três anos com a aprovação de Estaline em 1950?
PF – Foi mais o modelo estalinista de economia não ser bem-sucedido e, depois é claro em 1988, 1989 perderam o apoio do país que estava efectivamente a pagar por eles. E ainda hoje os apoios que recebem não são suficientes. Neste momento a situação é realmente muito má, acho mesmo que é o pior período pelo qual estão a passar desde a grande fome da década de 1990.
MBC – Qual dos Kim começou realmente esta corrida às ogivas nucleares na Coreia do Norte?
PF – Foi com Kim Jong-Il que começou o fabrico de armas nucleares. Na realidade o que Kim Jong-Il e o filho Kim Jong-Un fizeram foi controlar o país que Kim Il-Sung lhes deixou. Chamo-lhes uma monarquia comunista.
MBC – É verdade que Kim Jong-Il nunca viajou de avião?
PF – Tinha receio de voar porque ele mesmo quando estava nos serviços de inteligência já tinha explodido alguns aviões, sendo o mais conhecido pelo elevado número de mortos o avião das linhas aéreas Coreanas.
MBC – Como funciona a sucessão entre eles na medida em que sabemos que têm mais filhos, e no caso de Kim Jong-Un não seria ele o “herdeiro” directo.
PF – Quando Kim Il-Sung morreu o filho Kim Jong-Il já era adulto e estava preparado para tomar o lugar do pai. No entanto, quando este morreu, Kim Jong-Un ainda era muito novo e o filho que o deveria suceder, Kim Jong-Nam tinha caído em desgraça e vivia em Macau. O mesmo que foi assassinado no aeroporto na Malásia.
MBC – É verdade que Kim Jong-Un estudou incógnito na Suíça durante cerca de três anos? Independentemente de tudo, é um homem culto.
PF – Sim, é verdade, fazendo-se passar por filho de um membro da embaixada. E esse segredo foi mantido praticamente durante todo esse tempo.
MBC – Como explica que o povo da Coreia do Norte adore a família Kim? Consideram-nos Deuses?
PF – Acredito que a maioria dos Norte coreanos entende a história criada à volta do nascimento de Kim Jong-Il como uma alegoria. Não acreditam que seja consequência de um pássaro voar através de um duplo arco-íris. Penso que o aceitem como mais uma forma de o mostrar como um líder excepcional. Entendem-na como algo natural, não é como se alguém tivesse sequestrado o país, os Norte coreanos sentem que a família Kim foi naturalmente escolhida para os liderar.
É como a história criada à volta de Mao Tsé-Tung e a manga (Alguém deu uma manga a Mao e este tocou-lhe, a manga foi colocada dentro de uma caixa de vidro e percorreu todas as aldeias da China), de certa forma é muito parecido com o que se passa em Itália ou nos países católicos, onde fazem exactamente o mesmo com os ossos dos santos.
Então temos estes elementos que pensamos ser uma espécie de religião, de superstição, construídos no culto de uma personalidade, quando para eles a maneira de pensar é um pouco diferente da nossa. Os cristãos acreditam no nascimento virginal entre tantas outras coisas. Os Norte coreanos rejeitam a religião.
A maneira coreana de pensar baseia-se no Marxismo Leninismo ao qual se junta o Confucionismo, que veio da China para a Coreia, acrescenta-se um pouco a esta ideia a mitologia coreana junta-se tudo e é nisso que realmente acreditam.
MBC – Então na sua ideia o que move os Norte coreanos a aceitarem viver da forma que vivem
deve-se à aceitação do Marxismo Leninismo e do Confucionismo?
PF – Desde a primeira vez que fui à China, no tempo de Yang Shangkun, Jiang Zemin, Hu Jintao. Xi Jinping é de longe o que mais fala sobre Confúcio.
Em países como o Reino Unido ou Portugal, não somos realmente religiosos, mas temos este senso cristão do mundo mesmo se não formos à Igreja.
Eles têm a teia de Confúcio que se combinarmos isso com um nacionalismo muito forte que existe na Coreia do Norte desde o primeiro dia, torna-se claro. O filho para o pai, o pai para o Estado, a esposa para o marido. E então chegamos ao culto do Líder, como o Imperador no Japão, ou Mao Tsé-Tung na China. O líder é o país.
Para eles o sangue é muito importante. Não se misturam. Não entendem a ideia de multiculturalismo da maneira como nós na Europa o fazemos. Não adoptam crianças, é tudo sobre sangue, cultura.
Por exemplo na Coreia do Sul são feitos exames de sangue obrigatórios antes de se casarem por causa dos nomes serem tão parecidos. Duas pessoas chamadas Kim casarem-se não é invulgar, mas as chances de terem o mesmo apelido, mesmo que sejam de partes opostas do país, podem vir a demonstrar terem vindo da mesma aldeia somente com duas gerações a separá-los sem o saberem, têm que ter a certeza que não são familiares próximos.
MBC – Seguindo este modelo do Confucionismo a hierarquia na Coreia do Norte acaba no líder e quem fica imediatamente abaixo dele?
PF – Não é o proletariado que interessa, mas o exército. Os trabalhadores, os camponeses e os intelectuais são considerados o nível mais baixo na Coreia do Norte. A seguir ao líder estão os militares como defensores do país e, claro, os defensores do líder.
MBC – Não existe a possibilidade de uma rebelião?
PF – Penso que não. Tudo o que poderia conduzir a uma rebelião em qualquer outro lugar, na Coreia do Norte não se aplica. Não existe uma Igreja, não existe catolicismo ou islamismo, não existe um movimento sindical clandestino como na Polónia, não existe uma diáspora, não há muitos intelectuais Norte coreanos e pessoas da oposição espalhados pelo mundo. Não há desertores de alto perfil, não há um Alexander Soljenítsin, então não há nada. E, é claro que o facto de praticarem punição colectiva também impede que isso possa acontecer, se alguém disser qualquer coisa ou fizer algo toda a sua família é punida, as pessoas com quem trabalham são punidas.
MBC – No caso daquele militar que conseguiu escapar pela zona DMZ e que chegou a ser atingido a tiro pelos companheiros. Qual julga que possa ter sido a punição para quem não o parou?
PF – O mais provável é que tenham sido todos punidos, mesmo os que dispararam sobre ele bem como as suas respectivas famílias. Se fugir do país, até porque é fácil fazê-lo ao contrário do que se possa pensar, a família é punida, as pessoas que trabalham ao seu lado, são todos punidos.
MBC – Disse que era fácil fugirem, quando na realidade a impressão que temos no exterior é que fazê-lo é praticamente impossível.
PF – Fogem pela China onde são considerados ilegais. Se forem apanhados são devolvidos à Coreia do Norte, por esse motivo têm que sair o mais depressa que consigam para um terceiro país ou receber asilo numa embaixada na China. Mas é muito arriscado.
Existem várias rotas que podem fazer. Muitos conseguem chegar ao Camboja ou ao Vietname, sabem que se pedirem asilo na embaixada britânica o mais provável é serem aceites. Mas também seguem para outros países, infelizmente é particularmente mau para as mulheres, porque assim que entram na China onde existe crime organizado, muitas das vezes liderado por coreanos étnicos, têm graves problemas.
MBC – A que problemas se refere concretamente, redes de prostituição?
PF – As Nações Unidas fizeram recentemente um estudo que afirma que o crime organizado chinês gera cerca de cento e oitenta milhões de dólares por ano só do tráfico de mulheres. Para a prostituição e para vendê-las a fazendeiros chineses. Na China não há mulheres em número suficiente, desta forma os agricultores podem ter esposas. Houve denúncias de casos em que visitaram aldeias e encontraram mulheres Norte coreanas acorrentadas, mas mesmo assim preferem não regressar aceitando a vida que levam até porque na maior parte das vezes já tiveram filhos. Então, existe realmente um problema em torno das jovens mulheres Norte coreanas.
MBC – Como falámos anteriormente em castigos o que acontece às famílias daqueles que decidem partir?
PF –Antes de partirem pedem autorização aos pais para o fazerem. Os pais já são idosos, o que na Coreia do Norte significa não terem mais de 65, 67 anos, neste local ninguém atinge os 90 anos. Na maior parte dos casos são os próprios pais que fomentam a sua fuga dando-lhes permissão para o fazerem e tentarem ter uma vida, mas principalmente a liberdade. Na maior parte dos casos não têm amigos, namoradas, namorados, nunca trabalharam, na realidade as únicas pessoas que serão realmente castigadas serão os pais e eles sabem-no. Os pais aceitam a punição de forma a permitir a fuga dos filhos.
MBC – Que tipo de castigos podem ser aplicados?
PF – Se fugir de Pyongyang, que é considerado um local privilegiado, podem ser enviados para o campo, podem ser executados, podem ser enviados para o gulag, uma prisão acampamento, as suas rações podem ser cortadas, podem ser transferidos para uma cidade provincial onde a situação é muito pior do que na capital. Por esse motivo muitos jovens decidem ficar, por saberem que estão a pedir muito sabendo que os pais serão punidos, talvez as tias, os tios, os avós, professores, e até alguns amigos que alguns possam ter.
MBC – Para aqueles que saem nunca mais voltam a ter contacto com quem deixaram para trás?
PF – Por melhor que possa ser estar fora da Coreia do Norte, também não é um paraíso. O maior
problema é que nunca mais será possível comunicarem com o interior, enviar um email, telefonar, escrever uma carta. Ficarão sempre na dúvida do que aconteceu aos pais a menos que alguém da mesma aldeia também fuja e lhes conte, mas nunca será uma boa notícia.
Uma coisa que muitas pessoas não sabem é que depois da Coreia do Sul, o Reino Unido tem cerca de 4.000 a 6.000 Norte coreanos a viver numa comunidade na zona Oeste de Londres. Todos jovens, que fugiram quando tinham 20, 21, 22 anos, possivelmente acabados de sair da universidade.
Tenho trabalhado com estas pessoas nos centros comunitários de Londres numa tentativa de tentar impedir que fiquem deprimidas, com a culpa que carregam. Na maior parte das vezes afogam a sua tristeza em bebidas e drogas.
MBC – A noção que temos é que os Norte coreanos são um povo bastante desconfiado com tudo o que venha do exterior, como conseguiu visitar tantas vezes a Coreia do Norte sem que isso lhe levantasse qualquer tipo de problema?
PF – Os europeus podem ir, os nossos países não nos colocam restrições. Se por algum motivo surgisse algum problema, a embaixada do Reino Unido em Pyongyang tinha sempre as portas abertas para ajudar a resolver os problemas de todos os cidadãos da União Europeia que procurassem ajuda.
No meu caso em particular viajava muitas vezes em negócios, com banqueiros a maioria pessoas de Hong Kong e Singapura, o que nos abria todas as portas. Eles necessitavam do investimento que lhes podíamos proporcionar.
MBC – E mesmo tendo essa necessidade de investimento, conseguem circular livremente, ver tudo o que necessitam, levantar as mais diferentes questões e obterem respostas?
PF – Se formos jornalistas as portas fecham-se todas, mas se formos com o propósito de investir podemos fazer exactamente as mesmas perguntas que os jornalistas fariam, e sim, respondem-nos a tudo sem hesitações. Só não podemos fazer perguntas sobre Direitos Humanos.
Eles sabem que se queremos investir num determinado local, uma fábrica por exemplo, num hotel temos que ver os locais. Precisamos de informação, de ver os livros, as encomendas, o dinheiro. Se querem obter o investimento têm simplesmente que o fazer. Ninguém dá o dinheiro simplesmente como uma oferta.
No entanto o que fazia nessa altura não pode ser feito neste momento devido à imposição de sanções. Agora ninguém pode fazer nada. Cheguei a lá ir com companhias europeias como a Heineken que pretendiam genuinamente investir com o intuito de vender cerveja para os Hotéis, mas uma vez mais ainda não existiam as sanções. Neste momento todas as sanções das Nações Unidas (NU) estão em vigor e aplicam-se a todos. E os americanos continuam sujeitos ao Trading With the Enemy Act (TWEA) de 1917, o que significa que não podem fazer nada durante um extenso período de tempo.
Para os Japoneses é uma questão política, para os Sul coreanos é virtualmente impossível, os Russos e os Chineses à maneira deles também aderiram às sanções. Por todos estes motivos, todo e qualquer investimento naquele país torna-se extremamente limitado.
MBC – Estando a fronteira da Coreia do Norte a 100 quilómetros da China e a 200 quilómetros da Rússia, e sabendo que continuam a desenvolver o seu programa nuclear, qual é na sua perspectiva o sentimento destes países em relação a este assunto na medida em que continuam a fornecê-los. Existe preocupação?
PF – Os Chineses estão bastante preocupados.
Em Março do ano passado, quando a situação começou a escalar perigosamente com o lançamento de inúmeros misseis experimentais, em que Trump dizia que ia destruir Kim e este respondia-lhe no mesmo tom, o pior momento foi mesmo quando foram lançados dois misseis, um na direcção do Japão e outro de Guam, onde estão instaladas tropas americanas, foi quando os Chineses tomaram uma posição e disseram que aquilo não podia acontecer, esse momento ficou marcado pela posição que tomaram naquela altura ao juntarem-se à aplicação de sanções no encontro de Singapura.
Quando regressei em Março deste ano e falei com os Chineses a posição deles tinha-se alterado substancialmente, apesar de continuarem obrigados pela assinatura da aplicação das sanções. No entanto neste momento o seu pensamento é na guerra comercial iniciada por Trump, ou seja, tudo o que seja mau para o presidente dos Estados Unidos é bom para eles. E se alguém pensa que os Chineses vão fazer alguma coisa além de lutarem pelos seus interesses enquanto durar esta guerra comercial estão enganados.
MBC – Nem a possibilidade dos misseis continuarem a ser lançados, possivelmente com o intuito de atingirem território americano?
PF – Na visão deles isso é um problema americano e qualquer contrariedade para os Estados Unidos para eles passou a ser um excelente problema. O que mais adoram ver neste momento é o corte de relações entre a União Europeia e a América, e que essa mesma situação se estendesse à Rússia.
MBC – Este problema poderia ter sido evitado ou a eleição de Trump foi o despoletar de toda esta
crise mundial?
PF – Na minha opinião era o presidente Obama que deveria ter resolvido este assunto, mas não o fez. Como sabia que não iria cumprir um terceiro mandato deixou este assunto para o seu sucessor. Mesmo que tivesse sido Hillary Clinton a ocupar o lugar da presidência na Casa Branca, este problema iria sempre cair-lhe nas mãos.
O enorme problema foi Trump afirmar que não gostava do departamento de Estado, dos embaixadores, e simplesmente estes afastaram-se reformando-se sem a possibilidade de regressarem. O nível de conhecimento e experiência destes profissionais de carreira, pessoas realmente cultas e com uma enorme perícia nestes assuntos não regressarão para trabalhar para este presidente. Penso que neste momento os únicos que ainda conseguirão segurar os seus impulsos impensados são os Generais que basicamente já lhe devem ter dito que estava a levar o país para uma Guerra que não iria ganhar.
No entanto continua tudo uma enorme bagunça, desde o momento em que Trump foi falar com Kim Jong-Un, convencido que conseguia fazer o negócio com a mesma ligeireza com a qual vende um apartamento num dos seus prédios de Manhattan. Como se veio a comprovar não resultou. Até o presente momento não existe nenhum acordo.
MBC – Na sua perspectiva esta situação acabou por ser de alguma forma favorável a Kim Jong-Un?
PF – Para Kim foi exactamente tudo aquilo que pretendia e muito mais. Conseguiu fazer esta proeza duas vezes, três se contarmos com o recente encontro deles no Vietnam, nesta última visita de Trump.
Agora Kim tem uma fotografia com Trump, onde temos um ditador e o presidente dos Estados Unidos da América ao mesmo nível, algo que nunca deveria ter acontecido. Não só fez com que a América e o papel do seu presidente parecessem ridículos aos olhos do mundo como tornou Kim Jong-Un extremamente forte.
Penso que Kim ainda não acredita na proeza que conseguiu, assim como todos os Norte coreanos.
MBC – Acredita num reatar de negociações no que diz respeito às armas nucleares da Coreia do Norte?
PF – Penso que depois desta última visita de Trump a Hanói, fez com que tanto os japoneses como os Sul coreanos percebessem que se querem resolver as suas divergências com a Coreia do Norte terão que o fazer directamente através de Pyongyang e não de Washington. E julgo que foi essa mesma mensagem que Shinzõ Abe transmitiu a Trump no Japão. Tal como penso que os Sul coreanos já estão a fazer os seus próprios acordos com a Coreia do Norte.
Ambos terão certamente dito a Trump, que têm grandes preocupações com a Coreia do Norte, e como os Estados Unidos não estão a fazer nada, eles avançarão nos seus próprios termos e é evidente que Trump não gostou disso. Na realidade a América não pode gostar de ser colocada num plano de fundo.
Na minha perspectiva é como uma guerra comercial.
MBC – Falando nesse assunto como explica o escalar desta guerra comercial com a China num tão curto espaço de tempo?
PF – Todos nós, o Reino Unido, a Austrália, o Canadá, a União Europeia temos os nossos próprios problemas com a forma como a China negoceia. No entanto se nos juntássemos teríamos cerca de 70% de vantagem sobre o comercio chinês, e aí sim, estaríamos numa boa posição de negociação.
Trump aparece e diz que não quer saber da Europa, nem da Austrália (que nem sabe onde fica), que não lhe interessam os problemas dos canadianos nem de ninguém que não sejam os dos americanos. E é com menos de 50% de poder de negociação que vai falar com os chineses. É evidente que os chineses pensam que se entrarem numa guerra comercial conseguem vencê-la.
A Europa deixa-se ficar de lado enquanto estas duas potências se debatem, afinal têm bens que acabarão por ser necessários para ambos os lados, só têm que esperar calmamente até que lhes venham bater novamente à porta e fazer negócio quando os dois já não o conseguirem fazer.
Penso que se Trump tivesse aceite juntar-se aos restantes países e avançassem para uma conversação comercial com a China como uma equipa unida teríamos tido todos muito mais a ganhar.
MBC – Como explica que apesar de tudo o que sabemos, todos os países continuem a ajudar a Coreia do Norte? Não seria mais fácil acabarmos com a ajuda forçando-os a abrirem-se saindo da redoma em que se encontram? 
PF – Em resposta à sua pergunta penso que preferiam morrer, e eu penso que não podemos deixar que isso aconteça. Esse é realmente o maior problema. Se pararmos de os ajudar, os 22 milhões de pessoas que vivem na Coreia do Norte que já vivem em condições surreais, morrem.
Mas a verdade é que isto se tornou num enorme problema. As Nações Unidas têm menos de 50% do dinheiro que necessitam para os ajudar e não vão conseguir mais. Tenho a certeza que tal como Portugal, o Reino Unido e todos os outros países olham para a Coreia do Norte e pensam que este país não é de longe o melhor candidato para receber a ajuda deles, afinal temos a África, a Síria, os nossos próprios problemas internos. Até porque com a saída do Reino Unido não me parece que nos próximos tempos recebam mais dinheiro nosso.
Por todos estes motivos torna-se muito difícil a vida na Coreia do Norte e quando ficam sem apoios começam por reduzir nas rações de comida, o que torna o seu líder fraco, esse a meu ver é o principal motivo pelo qual Kim Jong-Un tem armas nucleares, para poder negociar e penso que está na disposição de o fazer.
MBC – Acha que estaria disposto a desistir completamente das armas nucleares?
PF – Não na sua totalidade, mas penso que seria possível chegarem a um acordo, a um “congelamento nuclear”, pararem os testes e a produção de mais armas. O problema é que o Oeste tem todo que aceitar que esta é uma boa opção.
Porém, uma vez mais Trump fez algo totalmente estúpido, que foi sugerir que os Norte coreanos entregassem todas as suas armas aos Estados Unidos. É evidente que não querem nem nunca o farão.
Do que necessitávamos neste momento era fazer o que foi feito durante a presidência de Clinton, que é enviar alguém neutro de quem todos gostem, estou a pensar na Suécia, na Suíça, em Jimmy Carter. Alguém doce. Quem não gosta de doçura?
MBC – Quando sugere alguém para novas conversações sobre o perigo nuclear que a Coreia do Norte representa no que está a pensar concretamente?
PF – Alguém que conseguisse verificar no terreno se está tudo dentro dos parâmetros de segurança. Neste momento penso que existe um perigo real que é o reactor de Yongbyon que até hoje nunca ninguém viu ou inspeccionou. Os Chineses estão muito preocupados porque não sabem se poderá estar ali uma nova Chernobyl encostada à sua fronteira. E penso que é neste aspecto que nos devemos focar.
Durante a presidência Clinton conseguiu-se um enorme passo ao colocarmos a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) sediada em Viena a deslocar-se à Coreia do Norte e ver o que se passava no terreno. Mas pouco depois eles retiraram-se do Tratado de não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) na mesma altura que abandonaram a AIEA, por todos estes motivos continuo a pensar que deveria ser alguém agradável a tentar uma aproximação à Coreia do Norte para conseguir fazer essa inspecção.
MBC – Este Estado de Paranóia que descreve no seu livro, considera a ameaça nuclear mais para consumo doméstico para Kim Jong-Un se manter na liderança do país ou é uma ameaça real?
PF – Ambos! Kim Jong-Un continuará a dizer ao seu povo que estão rodeados por imperialistas, que o presidente americano é fraco e deverá admitir que ele é que é forte porque tem armas nucleares.
Na televisão Norte coreana as armas nucleares são todas as noites exibidas, as crianças fazem visitas de estudo para as verem, continuam a testá-las e a mostrar ao povo que o fazem, ao mesmo tempo que lembram ao resto do mundo que têm que continuar a conversar com eles caso contrário continuarão a lançá-las para as testar.
MBC – A dinastia Kim continuará?
PF – Sabemos oficialmente que tem um filho. É possível que tenha mais, mas não existe uma confirmação oficial. Ao contrário do pai os seus filhos são todos da mesma mulher.
Kim Jong-Un será como o último Imperador da China. Penso que tenta preservar a sua descendência não falando sobre ela, até porque tem medo de possíveis tentativas de assassinato. Nunca se viu nenhuma fotografia dos filhos talvez porque tente manter-se no governo da Coreia do Norte por pelo menos mais vinte anos até que os filhos sejam mais velhos e estejam preparados para tomarem o seu lugar. O oposto do que lhe aconteceu quando Kim Jong-Il morreu, ele era muito novo e teve que tomar o lugar do pai no controlo do país sem saber o que fazer.
MBC – Falou do medo de assassinato. Mas ultimamente Kim Jong-Un tem-se ausentado do país com alguma regularidade para encontros com outros líderes.
PF – Mas penso que sente um medo real.
Estive na Coreia do Norte pela altura do assassinato de Kaddafi, a imagem dele ao ser arrastado pelas ruas e morto daquela maneira, também a de Saddam. Naquele momento sinto que pensou que o mesmo lhe podia acontecer, porque ao contrário dos líderes africanos que são imediatamente resgatados pelos franceses que os retiram transportando-os para mansões nas Antibes ou Cannes ou qualquer outro lugar luxuoso. Os Kim não têm essa opção. Ou ficam e mantêm o poder ou morrem. Os chineses não os querem, os russos não os querem, ninguém os quer.
E a verdade é que quando aterramos no Aeroporto de Pyongyang reparamos que não tem jactos privados prontos a descolarem se alguma coisa terrivelmente má acontecer. O pensamento deles só pode ser ficamos e lutamos ou eles matam-nos.
MBC – Caso lhe acontecesse algo, e sendo os filhos deles ainda tão pequenos, e tendo em conta a
boa relação que tem com a irmã Kim Yo-Jong poderia ser ela uma opção para o substituir?
PF – Penso que seria possível em caso da sua morte que a irmã se tornasse líder, não encontro nenhuma razão para que não o pudesse fazer. Mas somente até os filhos de Kim Jong-Un terem idade suficiente para tomarem o lugar do pai, nesse momento a irmã teria que se retirar.
MBC – O que o torna tão popular para a nova geração Norte coreana?
PF – Apesar do seu estranho e ridículo corte de cabelo ele compreende os jovens e reage de acordo com o que é esperado dele. Não é raro verem-se fotos dele a assistir a jogos de basquetebol, a concertos de música Pop, tudo o que os jovens Norte coreanos apreciam. Na realidade ele é um líder bastante popular. Não sei quem o está a aconselhar, mas está a fazer um excelente trabalho.
MBC – Então a Dinastia Kim continuará?
PF – Kim Jong-Un tem tudo o que o torna popular, é jovem, tem uma mulher atractiva que acabou de ter um filho, quer dizer é a história de “Harry e Megan”, a sua é a família real Norte coreana.
Ele percebe como manter a “monarquia Kim” no poder, posso mesmo garantir-lhe que os assuntos relacionados com ele são os únicos que conseguem manter o Brexit fora das notícias do dia.

P.S. – Após esta entrevista ficámos a saber que certas coisas não mudam: “Coreia do Norte executa enviados aos EUA depois de cimeira falhada com Trump”.

Texto: MBarreto Condado
Fotos: Mário Ramires

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