Paul French nasceu em
Londres, onde estudou nem como em Glasgow. Viveu e trabalhou durante muitos
anos em Xangai. É um especialista de renome no que toca à Coreia do Norte e um
comentador e analista com uma obra amplamente publicada acerca da Ásia. Escreveu
diversos livros sobre a História da China até 1949, sobre política e temas
actuais da Ásia. A sua bibliografia inclui uma História da Coreia do Norte, uma
biografia do publicitário aventureiro Carl Crow, de Xangai, e uma história
sobre correspondentes estrangeiros na China. Em 2013, recebeu o Prémio Edgar
para Melhor Crime Factual, com o seu bestseller internacional Midnight
in Peking.
Tudo o que consta desta
entrevista e muito mais poderão encontrar no livro do autor “Coreia do Norte,
Estado de Paranóia”.
“É
melhor não perguntar sobre Direitos Humanos”
MBC
– Porquê a Coreia do Norte?
PF
- Vivi na China, mas costumava visitar a Coreia do Norte numa base regular por
pura curiosidade.
Na minha juventude estudei
chinês e tal como todos os jovens europeus nos anos 80, que estudaram chinês e
coreano acabávamos sempre por visitar Pequim ou Xangai. E dávamos por nós a
tentar decidir qual seria o próximo país a visitar, a Mongólia ou a Coreia do
Norte.
Aconteceu que acabei por
visitar Pyongyang e dei comigo a pensar que pouco se tinha ainda escrito sobre aquele
país, particularmente na América ninguém falava sobre assuntos que eu considerava
importantes, como a possibilidade de a Coreia do Norte invadir a Coreia do Sul
e vencer.
Lembro-me que naquela
altura existia muito pouca informação. Agora já existe mais, mas é-nos
maioritariamente transmitida por quem conseguiu fugir. Depende de nós
acreditarmos se o que nos contam é ou não verdadeiro. A realidade é que ninguém
consegue realmente explicar como é que passados trinta anos após o colapso da
sua economia este país se transformou na desordem que é hoje.
MBC –
Após 1905, a península Coreana foi ocupada pelo Japão ao vencer a guerra contra
o Império
Russo. Como explica que Kim Il-Sung, o avô do actual líder,
conseguisse ao mesmo tempo ser assistente da União Soviética e chefe de
guerrilha em Pyongyang?
PF
– Ele fez parte da geração de combatentes pela liberdade da Segunda Guerra
Mundial tal como Josip Broz Tito e, tal como eles era um verdadeiro
guerrilheiro. Ao nascer numa Coreia ocupada pelo Japão tinha um sentimento de
luta pela liberdade.
MBC
- Em 1941, Kim Il-Sung vivia no Leste da antiga União Soviética e o filho Kim
Jong-Il nasceu em território soviético. Como explica a sua rápida ascensão ao
poder na Coreia do Norte?
PF
– No final da Segunda Grande Guerra com a derrota dos Japoneses, os aliados
dividiram a Coreia. O Norte foi entregue aos Soviéticos e o Sul aos Americanos.
Quer dizer, existe uma linha muito aleatória do paralelo 38, separada pela Zona
Desmilitarizada ou DMZ. Kim Il-Sung foi o responsável pela reconstrução do país
tal como se mantém até hoje. Acreditava que a Nação devia ser auto-suficiente,
tinham que ser grandes em tudo.
Falo no livro que durante
os primeiros dez a quinze anos a Coreia do Norte esteve muito à frente da
Coreia do Sul que era bastante mais pobre. Mas depois a Coreia do Sul tornou-se
num caso de sucesso e a Coreia do Norte não.
MBC
– No seu entender teve algo a ver com a guerra entre o Norte e o Sul que durou
três anos com a aprovação de Estaline em 1950?
PF
– Foi mais o modelo estalinista de economia não ser bem-sucedido e, depois é
claro em 1988, 1989 perderam o apoio do país que estava efectivamente a pagar
por eles. E ainda hoje os apoios que recebem não são suficientes. Neste momento
a situação é realmente muito má, acho mesmo que é o pior período pelo qual
estão a passar desde a grande fome da década de 1990.
MBC –
Qual dos Kim começou realmente esta corrida às ogivas nucleares na Coreia do
Norte?
PF
– Foi com Kim Jong-Il que começou o fabrico de armas nucleares. Na realidade o
que Kim Jong-Il e o filho Kim Jong-Un fizeram foi controlar o país que Kim
Il-Sung lhes deixou. Chamo-lhes uma monarquia comunista.
MBC
– É verdade que Kim Jong-Il nunca viajou de avião?
PF – Tinha
receio de voar porque ele mesmo quando estava nos serviços de inteligência já
tinha explodido alguns aviões, sendo o mais conhecido pelo elevado número de mortos
o avião das linhas aéreas Coreanas.
MBC
– Como funciona a sucessão entre eles na medida em que sabemos que têm mais
filhos, e no caso de Kim Jong-Un não seria ele o “herdeiro” directo.
PF –
Quando Kim Il-Sung morreu o filho Kim Jong-Il já era adulto e estava preparado
para tomar o lugar do pai. No entanto, quando este morreu, Kim Jong-Un ainda
era muito novo e o filho que o deveria suceder, Kim Jong-Nam tinha caído em
desgraça e vivia em Macau. O mesmo que foi assassinado no aeroporto na Malásia.
MBC
– É verdade que Kim Jong-Un estudou incógnito na Suíça durante cerca de três
anos? Independentemente de tudo, é um homem culto.
PF –
Sim, é verdade, fazendo-se passar por filho de um membro da embaixada. E esse
segredo foi mantido praticamente durante todo esse tempo.
MBC –
Como explica que o povo da Coreia do Norte adore a família Kim? Consideram-nos
Deuses?
PF
– Acredito que a maioria dos Norte coreanos entende a história criada à volta
do nascimento de Kim Jong-Il como uma alegoria. Não acreditam que seja
consequência de um pássaro voar através de um duplo arco-íris. Penso que o
aceitem como mais uma forma de o mostrar como um líder excepcional. Entendem-na
como algo natural, não é como se alguém tivesse sequestrado o país, os Norte
coreanos sentem que a família Kim foi naturalmente escolhida para os liderar.
É como a história criada
à volta de Mao Tsé-Tung e a manga (Alguém deu uma manga a Mao e este tocou-lhe,
a manga foi colocada dentro de uma caixa de vidro e percorreu todas as aldeias
da China), de certa forma é muito parecido com o que se passa em Itália ou nos
países católicos, onde fazem exactamente o mesmo com os ossos dos santos.
Então temos estes
elementos que pensamos ser uma espécie de religião, de superstição, construídos
no culto de uma personalidade, quando para eles a maneira de pensar é um pouco
diferente da nossa. Os cristãos acreditam no nascimento virginal entre tantas
outras coisas. Os Norte coreanos rejeitam a religião.
A maneira coreana de
pensar baseia-se no Marxismo Leninismo ao qual se junta o Confucionismo, que
veio da China para a Coreia, acrescenta-se um pouco a esta ideia a mitologia
coreana junta-se tudo e é nisso que realmente acreditam.
MBC
– Então na sua ideia o que move os Norte coreanos a aceitarem viver da forma
que vivem
deve-se à aceitação do Marxismo Leninismo e do Confucionismo?
PF
– Desde a primeira vez que fui à China, no tempo de Yang Shangkun, Jiang Zemin,
Hu Jintao. Xi Jinping é de longe o que mais fala sobre Confúcio.
Em países como o Reino Unido ou Portugal, não
somos realmente religiosos, mas temos este senso cristão do mundo mesmo se não
formos à Igreja.
Eles têm a teia de Confúcio que se combinarmos isso
com um nacionalismo muito forte que existe na Coreia do Norte desde o primeiro
dia, torna-se claro. O filho para o pai, o pai para o Estado, a esposa para o
marido. E então chegamos ao culto do Líder, como o Imperador no Japão, ou Mao
Tsé-Tung na China. O líder é o país.
Para eles o sangue é muito importante. Não se misturam.
Não entendem a ideia de multiculturalismo da maneira como nós na Europa o
fazemos. Não adoptam crianças, é tudo sobre sangue, cultura.
Por exemplo na Coreia do Sul são feitos exames de
sangue obrigatórios antes de se casarem por causa dos nomes serem tão
parecidos. Duas pessoas chamadas Kim casarem-se não é invulgar, mas as chances
de terem o mesmo apelido, mesmo que sejam de partes opostas do país, podem vir a
demonstrar terem vindo da mesma aldeia somente com duas gerações a separá-los sem
o saberem, têm que ter a certeza que não são familiares próximos.
MBC – Seguindo este modelo do Confucionismo a
hierarquia na Coreia do Norte acaba no líder e quem fica imediatamente abaixo
dele?
PF – Não é o proletariado que interessa, mas o exército. Os trabalhadores,
os camponeses e os intelectuais são considerados o nível mais baixo na Coreia
do Norte. A seguir ao líder estão os militares como defensores do país e,
claro, os defensores do líder.
MBC – Não existe a possibilidade de uma rebelião?
PF – Penso que não. Tudo o que poderia conduzir a uma
rebelião em qualquer outro lugar, na Coreia do Norte não se aplica. Não existe
uma Igreja, não existe catolicismo ou islamismo, não existe um movimento
sindical clandestino como na Polónia, não existe uma diáspora, não há muitos intelectuais
Norte coreanos e pessoas da oposição espalhados pelo mundo. Não há desertores
de alto perfil, não há um Alexander Soljenítsin, então não há nada. E, é claro
que o facto de praticarem punição colectiva também impede que isso possa
acontecer, se alguém disser qualquer coisa ou fizer algo toda a sua família é
punida, as pessoas com quem trabalham são punidas.
MBC – No caso daquele militar que conseguiu escapar
pela zona DMZ e que chegou a ser atingido a tiro pelos companheiros. Qual julga
que possa ter sido a punição para quem não o parou?
PF – O mais provável é que tenham sido todos punidos, mesmo os que dispararam
sobre ele bem como as suas respectivas famílias. Se fugir do país, até porque é
fácil fazê-lo ao contrário do que se possa pensar, a família é punida, as
pessoas que trabalham ao seu lado, são todos punidos.
MBC – Disse que era fácil fugirem, quando na realidade
a impressão que temos no exterior é que fazê-lo é praticamente impossível.
PF – Fogem pela China onde são considerados ilegais. Se forem apanhados são
devolvidos à Coreia do Norte, por esse motivo têm que sair o mais depressa que
consigam para um terceiro país ou receber asilo numa embaixada na China. Mas é
muito arriscado.
Existem várias rotas que podem fazer. Muitos
conseguem chegar ao Camboja ou ao Vietname, sabem que se pedirem asilo na
embaixada britânica o mais provável é serem aceites. Mas também seguem para
outros países, infelizmente é particularmente mau para as mulheres, porque assim
que entram na China onde existe crime organizado, muitas das vezes liderado por
coreanos étnicos, têm graves problemas.
MBC – A que problemas se refere concretamente, redes de
prostituição?
PF – As Nações Unidas fizeram recentemente um estudo que afirma que o crime
organizado chinês gera cerca de cento e oitenta milhões de dólares por ano só do
tráfico de mulheres. Para a prostituição e para vendê-las a fazendeiros
chineses. Na China não há mulheres em número suficiente, desta forma os
agricultores podem ter esposas. Houve denúncias de casos em que visitaram
aldeias e encontraram mulheres Norte coreanas acorrentadas, mas mesmo assim preferem
não regressar aceitando a vida que levam até porque na maior parte das vezes já
tiveram filhos. Então, existe realmente um problema em torno das jovens
mulheres Norte coreanas.
MBC – Como falámos anteriormente em castigos o que
acontece às famílias daqueles que decidem partir?
PF –Antes de partirem pedem autorização aos pais para o fazerem. Os pais já
são idosos, o que na Coreia do Norte significa não terem mais de 65, 67 anos,
neste local ninguém atinge os 90 anos. Na maior parte dos casos são os próprios
pais que fomentam a sua fuga dando-lhes permissão para o fazerem e tentarem ter
uma vida, mas principalmente a liberdade. Na maior parte dos casos não têm
amigos, namoradas, namorados, nunca trabalharam, na realidade as únicas pessoas
que serão realmente castigadas serão os pais e eles sabem-no. Os pais aceitam a
punição de forma a permitir a fuga dos filhos.
MBC – Que tipo de castigos podem ser aplicados?
PF – Se fugir de Pyongyang, que é considerado um local privilegiado, podem
ser enviados para o campo, podem ser executados, podem ser enviados para o
gulag, uma prisão acampamento, as suas rações podem ser cortadas, podem ser
transferidos para uma cidade provincial onde a situação é muito pior do que na
capital. Por esse motivo muitos jovens decidem ficar, por saberem que estão a
pedir muito sabendo que os pais serão punidos, talvez as tias, os tios, os
avós, professores, e até alguns amigos que alguns possam ter.
MBC – Para aqueles que saem nunca mais voltam a ter
contacto com quem deixaram para trás?
PF – Por melhor que possa ser estar fora da Coreia do Norte, também não é
um paraíso. O maior
problema é que nunca mais será possível comunicarem com o
interior, enviar um email, telefonar, escrever uma carta. Ficarão sempre na
dúvida do que aconteceu aos pais a menos que alguém da mesma aldeia também fuja
e lhes conte, mas nunca será uma boa notícia.
Uma coisa que muitas pessoas não sabem é que depois
da Coreia do Sul, o Reino Unido tem cerca de 4.000 a 6.000 Norte coreanos a
viver numa comunidade na zona Oeste de Londres. Todos jovens, que fugiram quando
tinham 20, 21, 22 anos, possivelmente acabados de sair da universidade.
Tenho trabalhado com estas pessoas nos centros
comunitários de Londres numa tentativa de tentar impedir que fiquem deprimidas,
com a culpa que carregam. Na maior parte das vezes afogam a sua tristeza em
bebidas e drogas.
MBC – A noção que temos é que os Norte coreanos são um
povo bastante desconfiado com tudo o que venha do exterior, como conseguiu
visitar tantas vezes a Coreia do Norte sem que isso lhe levantasse qualquer
tipo de problema?
PF – Os europeus podem ir, os nossos países não nos colocam restrições. Se
por algum motivo surgisse algum problema, a embaixada do Reino Unido em Pyongyang
tinha sempre as portas abertas para ajudar a resolver os problemas de todos os
cidadãos da União Europeia que procurassem ajuda.
No meu caso em particular viajava muitas vezes em
negócios, com banqueiros a maioria pessoas de Hong Kong e Singapura, o que nos
abria todas as portas. Eles necessitavam do investimento que lhes podíamos
proporcionar.
MBC – E mesmo tendo essa necessidade de investimento,
conseguem circular livremente, ver tudo o que necessitam, levantar as mais
diferentes questões e obterem respostas?
PF – Se formos jornalistas as portas fecham-se todas, mas se formos com o
propósito de investir podemos fazer exactamente as mesmas perguntas que os
jornalistas fariam, e sim, respondem-nos a tudo sem hesitações. Só não podemos
fazer perguntas sobre Direitos Humanos.
Eles sabem que se queremos investir num determinado
local, uma fábrica por exemplo, num hotel temos que ver os locais. Precisamos
de informação, de ver os livros, as encomendas, o dinheiro. Se querem obter o
investimento têm simplesmente que o fazer. Ninguém dá o dinheiro simplesmente como
uma oferta.
No entanto o que fazia nessa altura não pode ser
feito neste momento devido à imposição de sanções. Agora ninguém pode fazer
nada. Cheguei a lá ir com companhias europeias como a Heineken que pretendiam
genuinamente investir com o intuito de vender cerveja para os Hotéis, mas uma
vez mais ainda não existiam as sanções. Neste momento todas as sanções das
Nações Unidas (NU) estão em vigor e aplicam-se a todos. E os americanos
continuam sujeitos ao Trading With the Enemy Act (TWEA) de 1917, o que
significa que não podem fazer nada durante um extenso período de tempo.
Para os Japoneses é uma questão política, para os
Sul coreanos é virtualmente impossível, os Russos e os Chineses à maneira deles
também aderiram às sanções. Por todos estes motivos, todo e qualquer
investimento naquele país torna-se extremamente limitado.
MBC – Estando a fronteira da Coreia do Norte a 100
quilómetros da China e a 200 quilómetros da Rússia, e sabendo que continuam a desenvolver
o seu programa nuclear, qual é na sua perspectiva o sentimento destes países em
relação a este assunto na medida em que continuam a fornecê-los. Existe
preocupação?
PF – Os Chineses estão bastante preocupados.
Em Março do ano passado, quando a situação começou a
escalar perigosamente com o lançamento de inúmeros misseis experimentais, em
que Trump dizia que ia destruir Kim e este respondia-lhe no mesmo tom, o pior
momento foi mesmo quando foram lançados dois misseis, um na direcção do Japão e
outro de Guam, onde estão instaladas tropas americanas, foi quando os Chineses
tomaram uma posição e disseram que aquilo não podia acontecer, esse momento
ficou marcado pela posição que tomaram naquela altura ao juntarem-se à
aplicação de sanções no encontro de Singapura.
Quando regressei em Março deste ano e falei com os
Chineses a posição deles tinha-se alterado substancialmente, apesar de
continuarem obrigados pela assinatura da aplicação das sanções. No entanto
neste momento o seu pensamento é na guerra comercial iniciada por Trump, ou
seja, tudo o que seja mau para o presidente dos Estados Unidos é bom para eles.
E se alguém pensa que os Chineses vão fazer alguma coisa além de lutarem pelos
seus interesses enquanto durar esta guerra comercial estão enganados.
MBC – Nem a possibilidade dos misseis continuarem a ser
lançados, possivelmente com o intuito de atingirem território americano?
PF – Na visão deles isso é um problema americano e qualquer contrariedade
para os Estados Unidos para eles passou a ser um excelente problema. O que mais
adoram ver neste momento é o corte de relações entre a União Europeia e a
América, e que essa mesma situação se estendesse à Rússia.
MBC – Este problema poderia ter sido evitado ou a
eleição de Trump foi o despoletar de toda esta
crise mundial?
PF – Na minha opinião era o presidente Obama que deveria ter resolvido este
assunto, mas não o fez. Como sabia que não iria cumprir um terceiro mandato
deixou este assunto para o seu sucessor. Mesmo que tivesse sido Hillary Clinton
a ocupar o lugar da presidência na Casa Branca, este problema iria sempre
cair-lhe nas mãos.
O enorme problema foi Trump afirmar que não gostava
do departamento de Estado, dos embaixadores, e simplesmente estes afastaram-se reformando-se
sem a possibilidade de regressarem. O nível de conhecimento e experiência
destes profissionais de carreira, pessoas realmente cultas e com uma enorme
perícia nestes assuntos não regressarão para trabalhar para este presidente.
Penso que neste momento os únicos que ainda conseguirão segurar os seus
impulsos impensados são os Generais que basicamente já lhe devem ter dito que
estava a levar o país para uma Guerra que não iria ganhar.
No entanto continua tudo uma enorme bagunça, desde o
momento em que Trump foi falar com Kim Jong-Un, convencido que conseguia fazer
o negócio com a mesma ligeireza com a qual vende um apartamento num dos seus
prédios de Manhattan. Como se veio a comprovar não resultou. Até o presente
momento não existe nenhum acordo.
MBC – Na sua perspectiva esta situação acabou por ser
de alguma forma favorável a Kim Jong-Un?
PF – Para Kim foi exactamente tudo aquilo que pretendia e muito mais. Conseguiu
fazer esta proeza duas vezes, três se contarmos com o recente encontro deles no
Vietnam, nesta última visita de Trump.
Agora Kim tem uma fotografia com Trump, onde temos
um ditador e o presidente dos Estados Unidos da América ao mesmo nível, algo
que nunca deveria ter acontecido. Não só fez com que a América e o papel do seu
presidente parecessem ridículos aos olhos do mundo como tornou Kim Jong-Un
extremamente forte.
Penso que Kim ainda não acredita na proeza que
conseguiu, assim como todos os Norte coreanos.
MBC – Acredita num reatar de negociações no que diz respeito
às armas nucleares da Coreia do Norte?
PF – Penso que depois desta última visita de Trump a Hanói, fez com que
tanto os japoneses como os Sul coreanos percebessem que se querem resolver as
suas divergências com a Coreia do Norte terão que o fazer directamente através
de Pyongyang e não de Washington. E julgo que foi essa mesma mensagem que Shinzõ
Abe transmitiu a Trump no Japão. Tal como penso que os Sul coreanos já estão a
fazer os seus próprios acordos com a Coreia do Norte.
Ambos terão certamente dito a Trump, que têm grandes
preocupações com a Coreia do Norte, e como os Estados Unidos não estão a fazer
nada, eles avançarão nos seus próprios termos e é evidente que Trump não gostou
disso. Na realidade a América não pode gostar de ser colocada num plano de
fundo.
Na minha perspectiva é como uma guerra comercial.
MBC – Falando nesse assunto como explica o escalar
desta guerra comercial com a China num tão curto espaço de tempo?
PF – Todos nós, o Reino Unido, a Austrália, o Canadá, a União Europeia
temos os nossos próprios problemas com a forma como a China negoceia. No
entanto se nos juntássemos teríamos cerca de 70% de vantagem sobre o comercio
chinês, e aí sim, estaríamos numa boa posição de negociação.
Trump aparece e diz que não quer saber da Europa,
nem da Austrália (que nem sabe onde fica), que não lhe interessam os problemas
dos canadianos nem de ninguém que não sejam os dos americanos. E é com menos de
50% de poder de negociação que vai falar com os chineses. É evidente que os
chineses pensam que se entrarem numa guerra comercial conseguem vencê-la.
A Europa deixa-se ficar de lado enquanto estas duas
potências se debatem, afinal têm bens que acabarão por ser necessários para
ambos os lados, só têm que esperar calmamente até que lhes venham bater novamente
à porta e fazer negócio quando os dois já não o conseguirem fazer.
Penso que se Trump tivesse aceite juntar-se aos
restantes países e avançassem para uma conversação comercial com a China como
uma equipa unida teríamos tido todos muito mais a ganhar.
MBC – Como explica que apesar de tudo o que sabemos,
todos os países continuem a ajudar a Coreia do Norte? Não seria mais fácil
acabarmos com a ajuda forçando-os a abrirem-se saindo da redoma em que se
encontram?
PF – Em resposta à sua pergunta penso que preferiam morrer, e eu penso que
não podemos deixar que isso aconteça. Esse é realmente o maior problema. Se
pararmos de os ajudar, os 22 milhões de pessoas que vivem na Coreia do Norte
que já vivem em condições surreais, morrem.
Mas a verdade é que isto se tornou num enorme
problema. As Nações Unidas têm menos de 50% do dinheiro que necessitam para os
ajudar e não vão conseguir mais. Tenho a certeza que tal como Portugal, o Reino
Unido e todos os outros países olham para a Coreia do Norte e pensam que este
país não é de longe o melhor candidato para receber a ajuda deles, afinal temos
a África, a Síria, os nossos próprios problemas internos. Até porque com a
saída do Reino Unido não me parece que nos próximos tempos recebam mais
dinheiro nosso.
Por todos estes motivos torna-se muito difícil a
vida na Coreia do Norte e quando ficam sem apoios começam por reduzir nas
rações de comida, o que torna o seu líder fraco, esse a meu ver é o principal
motivo pelo qual Kim Jong-Un tem armas nucleares, para poder negociar e penso
que está na disposição de o fazer.
PF – Não na sua totalidade, mas penso que seria possível chegarem a um
acordo, a um “congelamento nuclear”, pararem os testes e a produção de mais
armas. O problema é que o Oeste tem todo que aceitar que esta é uma boa opção.
Porém, uma vez mais Trump fez algo totalmente
estúpido, que foi sugerir que os Norte coreanos entregassem todas as suas armas
aos Estados Unidos. É evidente que não querem nem nunca o farão.
Do que necessitávamos neste momento era fazer o que
foi feito durante a presidência de Clinton, que é enviar alguém neutro de quem
todos gostem, estou a pensar na Suécia, na Suíça, em Jimmy Carter. Alguém doce.
Quem não gosta de doçura?
MBC – Quando sugere alguém para novas conversações
sobre o perigo nuclear que a Coreia do Norte representa no que está a pensar
concretamente?
PF – Alguém que conseguisse verificar no terreno se está tudo dentro dos
parâmetros de segurança. Neste momento penso que existe um perigo real que é o
reactor de Yongbyon que até hoje nunca ninguém viu ou inspeccionou. Os Chineses
estão muito preocupados porque não sabem se poderá estar ali uma nova Chernobyl
encostada à sua fronteira. E penso que é neste aspecto que nos devemos focar.
Durante a presidência Clinton conseguiu-se um enorme
passo ao colocarmos a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) sediada
em Viena a deslocar-se à Coreia do Norte e ver o que se passava no terreno. Mas
pouco depois eles retiraram-se do Tratado de não Proliferação de Armas
Nucleares (TNP) na mesma altura que abandonaram a AIEA, por todos estes motivos
continuo a pensar que deveria ser alguém agradável a tentar uma aproximação à
Coreia do Norte para conseguir fazer essa inspecção.
MBC – Este Estado de Paranóia que descreve no seu livro,
considera a ameaça nuclear mais para consumo doméstico para Kim Jong-Un se
manter na liderança do país ou é uma ameaça real?
PF – Ambos! Kim Jong-Un continuará a dizer ao seu povo que estão rodeados
por imperialistas, que o presidente americano é fraco e deverá admitir que ele
é que é forte porque tem armas nucleares.
Na televisão Norte coreana as armas nucleares são
todas as noites exibidas, as crianças fazem visitas de estudo para as verem,
continuam a testá-las e a mostrar ao povo que o fazem, ao mesmo tempo que
lembram ao resto do mundo que têm que continuar a conversar com eles caso
contrário continuarão a lançá-las para as testar.
MBC – A dinastia Kim continuará?
PF – Sabemos oficialmente que tem um filho. É possível que tenha mais, mas
não existe uma confirmação oficial. Ao contrário do pai os seus filhos são
todos da mesma mulher.
Kim Jong-Un será como o último Imperador da China. Penso
que tenta preservar a sua descendência não falando sobre ela, até porque tem
medo de possíveis tentativas de assassinato. Nunca se viu nenhuma fotografia
dos filhos talvez porque tente manter-se no governo da Coreia do Norte por pelo
menos mais vinte anos até que os filhos sejam mais velhos e estejam preparados
para tomarem o seu lugar. O oposto do que lhe aconteceu quando Kim Jong-Il
morreu, ele era muito novo e teve que tomar o lugar do pai no controlo do país
sem saber o que fazer.
MBC – Falou do medo de assassinato. Mas ultimamente Kim
Jong-Un tem-se ausentado do país com alguma regularidade para encontros com
outros líderes.
PF – Mas penso que sente um medo real.
Estive na Coreia do Norte pela altura do assassinato
de Kaddafi, a imagem dele ao ser arrastado pelas ruas e morto daquela maneira, também
a de Saddam. Naquele momento sinto que pensou que o mesmo lhe podia acontecer,
porque ao contrário dos líderes africanos que são imediatamente resgatados
pelos franceses que os retiram transportando-os para mansões nas Antibes ou
Cannes ou qualquer outro lugar luxuoso. Os Kim não têm essa opção. Ou ficam e
mantêm o poder ou morrem. Os chineses não os querem, os russos não os querem,
ninguém os quer.
E a verdade é que quando aterramos no Aeroporto de
Pyongyang reparamos que não tem jactos privados prontos a descolarem se alguma
coisa terrivelmente má acontecer. O pensamento deles só pode ser ficamos e
lutamos ou eles matam-nos.
MBC – Caso lhe acontecesse algo, e sendo os filhos deles
ainda tão pequenos, e tendo em conta a
boa relação que tem com a irmã Kim
Yo-Jong poderia ser ela uma opção para o substituir?
PF – Penso que seria possível em caso da sua morte que a irmã se tornasse
líder, não encontro nenhuma razão para que não o pudesse fazer. Mas somente até
os filhos de Kim Jong-Un terem idade suficiente para tomarem o lugar do pai,
nesse momento a irmã teria que se retirar.
MBC – O que o torna tão popular para a nova geração Norte
coreana?
PF – Apesar do seu estranho e ridículo corte de cabelo
ele compreende os jovens e reage de acordo com o que é esperado dele. Não é
raro verem-se fotos dele a assistir a jogos de basquetebol, a concertos de
música Pop, tudo o que os jovens Norte coreanos apreciam. Na realidade ele é um
líder bastante popular. Não sei quem o está a aconselhar, mas está a fazer um
excelente trabalho.
MBC – Então a Dinastia Kim continuará?
PF – Kim Jong-Un tem tudo o que o torna popular, é jovem, tem uma mulher
atractiva que acabou de ter um filho, quer dizer é a história de “Harry e
Megan”, a sua é a família real Norte coreana.
Ele percebe como manter a “monarquia Kim” no poder,
posso mesmo garantir-lhe que os assuntos relacionados com ele são os únicos que
conseguem manter o Brexit fora das notícias do dia.
P.S. – Após esta entrevista ficámos a saber que certas
coisas não mudam: “Coreia do Norte executa enviados aos EUA depois de cimeira
falhada com Trump”.
Texto: MBarreto Condado
Fotos: Mário Ramires
Sem comentários:
Enviar um comentário