Há muitas formas de chegar. Há muitas
formas de entrar e sair de uma cidade, de um país, de um lugar.
Podemos chegar de avião, onde a
chegada é o momento definido que acontece no exacto instante em que se respira
o ar da rua vindo da porta que se abre para as escadas assentes no asfalto da
pista. Depois o guichet onde carimbam os passaportes e nos inspeccionam as
intenções escritas é a formalização da chegada.
Chegar de carro, em que vamos
chegando ao longo de uma ou duas horas, onde à distância de uns cinquenta ou
cem quilómetros, a cidade que é o nosso destino, vem ter connosco à estrada em
anúncios, nomes de marcas e ruas e placas com indicações.
Podemos chegar de comboio, com a
mochila arrumada na prateleira de ferro por cima do banco e a marcha a abrandar
entre gemidos metálicos e pessoas que se levantam a nossa volta. Temos tempo
para organizar as nossas coisas, limpar o lixo e arrumar os restos do farnel,
trocar números e e-mails com os companheiros de viagem enquanto vamos cruzando
os arredores, passagens de nível, túneis, luzes verdes, vermelhas e amarelas,
mais linhas e carris e, por fim, num grande peido eléctrico ou de diesel e todo
aquele ferro fica imobilizado na estação. E dizemos, “Chegámos!”, ignorando que
já estávamos a chegar há umas duas ou três horas.
Podemos chegar de autocarro. Mais ou
menos desconfortáveis, a ver a estrada lá de cima, entalados com vizinho obeso
no banco do lado e com o olhar a ficar estrábico entre a paisagem lá fora e o
decote da passageira adormecida dois bancos à frente.
Podemos chegar a uma cidade à boleia,
sempre com aquela ponta de medo esquizofrénico, da incerteza da chegada ao
destino: “Será que o gajo que me deu boleia me quer matar...?” sabendo que o
gajo que nos deu boleia está a pensar precisamente isso de nós.
Independentemente da forma, eu gosto
de chegar.
Gosto de chegar, de preferência pela
manhã. Chegar a uma cidade de manhã depois de uma noite mal dormida nos bancos
de um autocarro, de um comboio ou de um avião... é para mim, que serei
esquisito, o supra-sumo da felicidade dinâmica.
De chegar gosto sempre. De vir
embora, nem sempre gosto.
Há cidades onde podemos chegar
inteiros e sair inteiros. Acontece com frequência em cidades frias de gente
cinzenta vestida para o frio. Nós vamos, chegamos, fazemos o que temos a fazer
e vimos embora. Adeus-e-até-ao-meu-regresso e aqui vou eu que a minha vida não
é isto.
Mas há lugares que são diferentes. Há
lugares, cidades e terras especiais.
Cidades em que chegamos inteiros, mas
voltamos aos bocados. Voltamos a colar bocados e a sentir a falta das peças que
ficaram lá. Lugares onde ficamos. Cidades em que chegamos inteiros e para
partir, partimo-nos, deixando para trás bocados de nós mesmos.
Há lugares, em que chegamos desfeitos
e desarticulados e são eles que nos curam.
Há também os sítios a que vamos
chegando, com meses ou anos de antecedência. Vamos chegando com e-mails,
telefonemas, recados e encomendas... e depois finalmente, cruza-se o espaço e
estamos lá fisicamente, comemos, bebemos, pisamos o chão, dormimos, amamos e
lutamos como todos os outros que são a cidade que também é nossa.
Gosto de ir chegando, dá-me tempo para trabalhar a partida e a chegada.
ResponderEliminarPor isso mesmo, não gosto de chegar de avião.
Também não gosto de ir chegando com meses, anos de antecedência: as novas tecnologias mostram-nos tudo e quando lá chego, não tenho nada para descobrir, que me surpreenda. Boas partidas e chegadas!