"Temos que nos esforçar permanentemente para alcançarmos o mesmo estatuto
dos homens"
Angela Saini nasceu em Londres em
1980. Possui dois mestrados em Engenharia pela Universidade de Oxford e, em Ciência
e Segurança pela King's College de Londres. Trabalhou como repórter da BBC.
Em 2008
tornou-se escritora freelancer. Em 2009 foi nomeada Jovem Escritora Europeia de
Ciências.
Publicou os livros:
2011 – Nação Geek: Como a
ciência indiana está a dominar o mundo.
2018 - Inferior: como a
ciência sempre desvalorizou a Mulher e os novos estudos que estão a corrigir
esse erro.
2019 - Superior: o retorno da
ciência racial.
Foi acerca do seu livro “Inferior:
como a ciência sempre desvalorizou a Mulher e os novos estudos que estão a
corrigir esse erro” publicado este ano pela Desassossego uma das chancelas
da Editora Saída de Emergência que conversámos com a autora.
MBC – O que a levou a escrever
este livro?
AS – Pura coincidência. Foi-me pedido
por um grande jornal do Reino Unido um artigo sobre a menopausa, um assunto sobre
o qual confesso nunca ter pensado até esse momento. Por esse motivo tornou-se num
estimulante fazê-lo. Independentemente de ter aceite este desafio, decidi abordar
o tema sob uma perspectiva mais científica, começando pela explicação evolutiva.
O motivo pela qual a mulher experimenta a menopausa. O que descobri é que a
menopausa é extremamente rara na maior parte das espécies animais. Além dos
seres humanos e das Orcas, são poucas as espécies que passam por este processo.
O mais bizarro foi descobrir que a menopausa não é comum a nenhuma espécie de
primatas.
Após intensa
pesquisa deparei-me com diversas teorias. Por exemplo, a teoria da avó que diz
que as mulheres à medida que envelhecem são tão cruciais para a sobrevivência
de filhos e netos que aumentam a sua longevidade ao ponto de se tornarem estéreis.
Uma outra teoria publicada por três canadianos dizia que as mulheres se tornam
inférteis porque com a idade deixam de fazer sexo. É evidente que mesmo na
altura da sua publicação foi refutada por estar pobremente fundamentada. Não
existia nenhuma base evolutiva nesta concepção, nada do que diziam fazia
sentido por não existirem dados que comprovassem as suas afirmações.
Contudo, fascinou-me
ver que com base no género, as pessoas têm opiniões diferentes sobre este fenómeno
biológico. O que me levou a explorar o que mais existe na biologia humana, o
que nos diz entre as diferenças entre homens e mulheres, particularmente sobre
as nossas mentes e corpos. Mas, principalmente como mulher queria factos, saber
o que a ciência realmente diz sobre quem sou, quem é a minha mãe, as minhas
irmãs, as minhas amigas. Queria respostas para mim e, entendi que essa seria a
minha jornada de descoberta.
MBC – Escrever este livro alterou em algum aspecto a sua
visão sobre a ciência?
AS – Muita da minha pesquisa como jornalista científica é
olhar para os problemas dentro da ciência. A minha função não é trair a ciência,
mas descobrir erros, entender as agendas dos cientistas sejam elas pessoais ou
políticas, os financiamentos que recebem, tudo o que possa perturbar o processo
científico que leva a ciência a não ser confiável aos olhos do público. Tento
selar pela acuidade da ciência, nesse sentido não me surpreendeu saber que
existiam graves problemas dentro da comunidade científica. Porém, como ser
humano e vivendo inserida na sociedade utilizo a minha escrita para expressar a
maneira como penso. O porquê da existência de todos esses estereótipos? As
suposições sobre quem somos?
Devido à teoria da Avó deixei de pensar da mesma forma
sobre a maternidade ou o envelhecimento. Embora sempre tenha sido feminista, de
ter sempre lutado pelos direitos das mulheres, toda a minha pesquisa deu-me uma
nova dimensão, reafirmando o meu feminismo.
MBC – Sendo jovem, mulher, brilhante e bonita não
encontrou oposição por parte dos cientistas?
AS – Ainda é um problema. Qualquer mulher que escreva na
área das ciências enfrenta barreiras porque não somos levadas a sério no nosso
trabalho. Mesmo hoje quando entro numa livraria reparo que existem inúmeras
escritoras publicadas na área da ciência, mas, por alguma razão, os escritores têm
maior relevo na divulgação do seu trabalho. O que confesso me deixa
extremamente frustrada porque existem brilhantes escritoras e no fundo acabamos
por ser tratadas quase como se o nosso trabalho se limitasse a ser uma
continuação do trabalho dos homens. Espero ansiosamente que isto mude e,
acredito que aconteça se pressionarmos o sistema imposto.
MBC – Em geral, os homens ainda pensam que as mulheres
têm corpos e mentes fundamentalmente diferentes?
AS - Ainda há pessoas que pensam dessa forma. Existem
obviamente algumas diferenças entre homens e mulheres. Nos nossos sistemas
reprodutivos, diferenças médias na altura, mas muitas destas diferenças são tidas
em média, por isso existem muitas mulheres que são mais fortes do que alguns
homens, outras que são mais altas.
Psicologicamente, quase não existem diferenças. Acho
que essa foi para mim a maior revelação. Quando olhamos para estudos
psicológicos, dificilmente encontramos diferenças. Limitamo-nos a acreditar
quando nos afirmam que existem grandes lacunas entre os géneros, em assuntos
como a matemática ou o raciocínio verbal. Na realidade essas lacunas não
existem. É nesse momento que nos devemos interrogar porque nos dizem que
existem. E rapidamente concluímos que se deve à sociedade e à cultura na qual
vivemos que ainda não mudou o suficiente para contrariar estes dogmas.
MBC – Nos nossos tempos não acha estranho que alguns
homens ainda se sintam superiores?
AS – A meu ver o problema reside nas mulheres que continuam
a pensar que existem diferenças. Mas isso é o que a cultura nos faz crer quando
nos diz que a mulher tem um lugar específico, um papel a desempenhar na
sociedade. E é claro que para muitos homens beneficia-os manterem esse status
quo.
MBC – Mesmo no mundo moderno?
AS - Mesmo no mundo moderno! É triste dizer, mas até em muitas
mulheres da minha idade. Uma das melhores mensagens que recebi quando
"Inferior" foi publicado, veio de uma menina na Índia que leu o livro
e o deu à mãe para o ler. O pai era muito patriarcal, dominante. O que me disse
foi que após a mãe o ler começou a enfrentar o pai. Esta mensagem foi a mais
importante que já recebi. Se as mulheres se conseguem sentir fortes ao lerem “Inferior”
sinto que atingi o meu objectivo.
MBC – No fundo é essa a mensagem que quer passar no seu
livro?
AS – Sim. Espero que as pessoas o leiam e que desafiem as
suas bases. Quer sejam homens ou mulheres. Mas adorava que as mulheres se sentissem
particularmente fortes com o que a ciência realmente diz sobre quem somos. Não
somos aquelas criaturas fracas que durante décadas, séculos nos levaram a
acreditar. Podemos fazer o que quisermos, ter uma sociedade mais igualitária e
tudo o que necessitamos é tão simples como trabalhar em conjunto, lutar por
esses direitos, quebrar de uma vez as barreiras políticas e culturais.
MBC – Mas concorda que em 2019, ainda temos que trabalhar
o dobro dos homens para provar o nosso valor?
AS - As dificuldades que eu e outras mulheres cientistas
ainda sentimos, não nos obriga somente a trabalhar duro para chegar onde estamos,
temos que provar ao mundo que somos capazes de fazer o mesmo que os homens mostrando
que é possível, normal. Provar que podemos ser as pessoas que pensam que não conseguimos
ser. Existem camadas de barreiras com as quais lutamos o tempo todo. Temos que
nos esforçar permanentemente para alcançarmos o mesmo estatuto dos homens. Para
algumas mulheres, é mais fácil para outras mais difícil.
MBC – Durante a gravidez sentiu-se de alguma forma posta
de lado?
AS - Antes de ter filhos trabalhava como repórter e tive
que desistir porque me ocupava todos os dias em qualquer horário. Sabia que meu
marido não iria desistir do trabalho dele, por isso quando tomei
conscientemente a decisão de ter filhos, desisti desse trabalho e, foi nesse
período que comecei a escrever. Não me arrependi da minha escolha, até porque
tive que aprender a conciliar o meu trabalho com ser mãe. Mas gostava que a
sociedade fosse estruturada de maneira a que as mulheres não tivessem que fazer
estas escolhas o tempo todo. Penso que a maioria das indústrias ainda opera com
base no princípio de que haverá sempre alguém em casa e, isso é realmente algo
que precisamos alterar. Se não ficar ninguém em casa com as crianças como podemos
dar o nosso melhor no nosso trabalho? E não falamos apenas das crianças. Falamos
do trabalho doméstico, cozinhar, limpar, fazer compras e todas as outras coisas
que necessitam de ser feitas. Uma casa tem que ser governada e isso também é
trabalho.
MBC – No entanto na maior parte dos casos os melhores e
mais bem remunerados empregos continuam a ser entregues a homens.
AS - No Reino Unido, existe uma enorme diferença
salarial. Penso que isso ainda é um problema e, que se deve a diversas razões. Em
parte, o sexismo. Temos vencimentos inferiores fazendo exactamente o mesmo
trabalho. Em parte, a própria história. Afinal o homem tem estado na força de
trabalho há mais tempo e as mulheres desistem de trabalhar para terem filhos. Mas
ainda temos um outro aspecto que a meu ver é muito mais complicado, quando as
mulheres começam a fazer um trabalho são desvalorizadas, dou-lhe o exemplo da
programação informática costumava ser um trabalho feito exclusivamente por
mulheres por ser um trabalho enfadonho logo só uma mulher gostaria de o fazer. Mas
de um momento para o outro a indústria tornou-se numa profissão altamente valorizada
e as mulheres foram sendo lentamente excluídas e, agora os homens dizem que as
mulheres não percebem de programação. Necessitamos de continuar a lutar para
que uma mulher que faça exactamente o mesmo trabalho que um homem receba o
mesmo. Ao mesmo tempo que damos mais valor a todo o outro trabalho que tradicionalmente
fazemos.
MBC - O que pensa dos homens que ainda mantêm os melhores
cargos de liderança?
AS - Acho que em posições de grande poder, damos ao homem
muito mais espaço para fracassar do que damos às mulheres. Quando uma mulher
falha, causa impacto em todas as mulheres, automaticamente está a prejudicar-nos
a todas. Mas se um homem falhar, é aceitável. Ele é um indivíduo que teve o azar
de falhar e nós perdoamos. Por isso sim, continuam a existir padrões diferentes.
MBC - Aos nossos leitores em Portugal que ainda não a
conhecem porque ainda não leram os seus livros, como gostaria de apresentar “Inferior”?
AS - Gostaria de dizer a todas as pessoas que nos dizem
que a igualdade é impossível porque somos naturalmente diferentes, que não há
nada na biologia que diga que a igualdade não pode vencer. Antes pelo contrário
devemos sentir-nos fortalecidas com essa constatação. Como disse, esta jornada
mudou a minha vida e espero que mude vidas.
Texto e Fotos: MBarreto Condado
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