“Para
permanecermos nas boas graças das outras pessoas, devemos receber elogios com
aparente humildade – mesmo que o nosso coração esteja pleno de arrogância, fel
e orgulho”
(Orgulho,
Gula, Luxúria, Preguiça, Avareza, Inveja, Ira)
Quisemos
conhecer melhor Jack Lewis, o neurobiólogo e apresentador de televisão. Agnóstico confesso, que em criança adorava cantar no coro da Igreja. E foi numa conversa descontraída que nos explicou o que o motiva, a razão que o levou a escrever este livro e, porque o devemos
ler.
MBC - Todos os dias
enfrentamos uma batalha interna para nos mantermos afastados das tentações. Na
sua opinião quais são as consequências se cedermos a algum dos sete pecados
mortais?
JL - Sabendo que em última
análise leva a consequências anti-sociais. Se alguém é muito orgulhoso,
preguiçoso, zangado, invejoso, as pessoas ao seu redor acabam por se sentir entediadas
e simplesmente afastam-se por não quererem perder o seu tempo com uma pessoa
assim.
JL – Não! São todos preocupantes
e a melhor maneira de os manter sob controle é lembrarmo-nos que as conexões
sociais não são apenas agradáveis de ter, mas também vitais para a nossa saúde
física e mental.
MBC – É possível encontrarmos
esse equilíbrio?
JL – Sim se forem levados em
moderação.
MBC – É possível fazê-lo
sem cairmos em tentação em alguma parte do caminho?
JL - A tentação é boa para
o nosso bem-estar, mas levada aos extremos torna-se anti-social, e se nos
deixarmos arrastar por qualquer uma delas corremos o risco de perder as nossas
conexões sociais.
MBC - Na Gula em particular
pensa existir uma solução para controlarmos os nossos impulsos?
JL – Em relação à comida, resistir à tentação
torna-se mais difícil. Durante milhares de anos os humanos viveram numa
situação em que não sabiam quando conseguiriam arranjar comida e, se a mesma
seria suficiente. Muitos morriam de fome. Mas é evidente que agora o ambiente
mudou, há o suficiente para todos e, como temos comida em abundância. adoptámos
uma abordagem um pouco diferente.
MBC – É verdade que existe abundância,
mas isso também não traz forçosamente benefícios e, estou a pensar nas diversas
doenças associadas aos excessos.
JL – É verdade que para quem sofre de
Gula, existem uma série de inflamações associadas não só ao corpo, mas também ao
cérebro. Temos as alterações de humor, o colesterol elevado, só para falar de
alguns problemas. A nível do cérebro a inflamação começa a limitar as
capacidades cognitivas, começamos a pensar mais lentamente, torna-se difícil solucionar
problemas e, na meia-idade o cérebro será o de alguém com pelo menos mais dez
anos do que a sua idade real.
MBC – O que podemos fazer para
conseguir controlar os nossos impulsos, concretamente em relação à Gula?
JL – A melhor maneira de tentar
refrear essa tentação é perceber que há uma enorme conspiração multinacional. As
grandes empresas de alimentos publicitam anúncios de uma forma que faz com que
o consumo pareça perfeitamente normal e com as campanhas que promovem aumentam-no
substancialmente para obterem lucro. O problema é que os principais
consumidores são cada vez mais jovens.
MBC – Concorda que se consume mais do
que o necessário. O que podemos fazer para combater essas grandes companhias?
JL – Esta é a nossa presente
realidade. Para as grandes companhias, os consumidores fazem esse consumo numa quantidade
que para eles é considerada perfeitamente normal. Mas, se perguntar a um médico,
a maioria dos produtos são demasiado calóricos. Só para que veja a que nível já
sofremos uma lavagem cerebral dou-lhe como exemplo uma lata de Coca-Cola, de Pepsi.
Se tiver mais de onze anos uma só lata tem o açúcar necessário de que necessita
para um dia inteiro.
MBC – Mas o açúcar também nos faz falta.
Em que medida podemos medir o que consumimos?
JL - Se praticar muito desporto pode
ingerir essas quantidades de açúcar. Além do mais é verdade que o nosso cérebro
necessita de muito açúcar quer esteja em repouso ou a pensar. Mas, mesmo assim não
consegue queimar todo o açúcar contido em quatro latas de refrigerante. Sem
falarmos que rotineiramente as pessoas adicionam açúcar ao chá, ao café, e não
nos podemos esquecer de que na maior parte das vezes ainda acompanham estas
bebidas com uma sobremesa. Com cada café um pastel de nata.
MBC – Possivelmente a maioria das
pessoas não tem noção do que me acabou de dizer.
JL - Garanto-lhe que as pessoas ficam
atordoadas quando são confrontadas com esta realidade.
MBC – Achei interessante que falasse do café com o Pastel de Nata. Até porque a maioria dos portugueses tem realmente esse hábito. O Jack das vezes que esteve no nosso país já se terá convertido à nossa doçaria?
JL – A verdade é que em Londres temos
uma excelente pastelaria portuguesa. E sim confesso ser um grande apreciador do
Pastel de Nata.
MBC – Ainda existirá alguma maneira de
reverter o controle que as grandes companhias exercem sobre nós?
JL – Neste momento só uma revolução
poderia alterar esta situação.
MBC – O que pensa em relação a fast-food
e, aos suplementos alimentares?
JL – Como em tudo na nossa vida o
segredo está na moderação, nada em excesso.
MBC – Algum destes pecados se aplica
particularmente a si?
JL – Todos! Mas com a moderação de
que tenho falado tento sempre evitar ao máximo os excessos.
MBC – Mas terá certamente algum que se
destaque?
JL – O que sempre mais me preocupou foi
o Orgulho. Sempre fui muito inteligente em todo o meu percurso escolar, um bom
desportista. Recebia regularmente elogios que me enchiam o ego e, chegou uma
altura na minha vida em que fiquei preocupado. Temia que os meus feitos me pudessem
transformar em alguém arrogante, que me considerasse melhor do que todos. Isto
fez com que lutasse arduamente para não seguir por esse caminho. Cheguei inclusive
a fazer um teste para ver se teria uma personalidade narcisista e, confesso que
fiquei espantado por os resultados terem apresentado valores inferiores.
Mas,
também sofro de Gula. Como a maioria das pessoas encontro um enorme prazer na comida.
No entanto comecei recentemente a fazer muito exercício pelo que consegui
encontrar um equilíbrio para compensar tudo o que ingiro.
MBC – Disse
que praticou desporto durante o seu percurso escolar, no entanto vi um vídeo que
colocou no seu site em que está numa sessão de exercícios de cansar qualquer
um.
JL – Sempre pratiquei enquanto estive
na escola depois parei. Mas em Janeiro deste ano estive na Tailândia, fui
convidado a ficar em casa de um conhecido que como está desempregado está permanentemente
a fazer exercício, principalmente de manhã e, sempre durante mais de uma hora
seguida. A única condição que me impôs para ficar na sua casa, como seu convidado,
era que fizesse exercício com ele. O pior ao início é que se tentasse colocar
açúcar no meu café ele contrariava afirmando que dessa forma destruía a
capacidade do meu corpo queimar gordura. Por isso durante esse período o meu
pequeno-almoço passou a ser só café preto. Mas, a verdade é que o meu corpo
mudou e perdi toda a gordura que tinha acumulada. Quando regressei a casa continuei
a seguir os mesmos métodos e, agora não preciso de café da manhã até depois do
meio-dia.
MBC – Sei que pratica Surf. Como
consegue ter energia fazendo jejum?
JL – Estranhamente nunca pensei que fosse
possível, mas a verdade é que me basta café simples e forte sem açúcar. O nosso
corpo num período de doze horas sem ser alimentado, nas primeiras dez horas já
perdeu todos os carboidratos de reposição e então começa a queimar gordura nas duas
horas seguintes. É uma excelente forma de manter o corpo regenerado. Isto significa
apenas que continuo a comer a mesma comida, mas em vez de o fazer em dezasseis
horas, como num espaço de doze horas.
MBC – Neste momento da sua vida escreve
livros e faz programas de televisão. Abandonou definitivamente a investigação
na sua área da Neurociência?
JL – A verdade é que já não faço
pesquisa, neste momento limito-me a ler as pesquisas dos meus colegas. Escrevo
livros e faço televisão porque é algo que me satisfaz, mas como pagam pouco sou
ainda Consultor e Orador motivacional, o que me permite viajar regularmente através
de Inglaterra.
MBC
– Apenas em
Inglaterra?
JL – Já fui solicitado na Europa, mas
ainda é raro. Numa média faço duas palestras na Europa e vinte em Inglaterra.
Ainda na semana passada estive em Brighton, depois na costa sul, depois em Norwich
na costa leste, na semana anterior em Yorkshire, depois na Escócia, e na semana
anterior no País de Gales. Estou permanentemente em movimento com uma mala
preparada para embarcar no próximo comboio.
JL – Adoro particularmente o trabalho
que faço com os professores, que por sua vez trabalham com crianças
problemáticas. Crianças, que vivem em situações de miséria extrema, um pai com
uma doença mental, alcoolismo, entre tantos outros problemas, tornando-as vulneráveis.
Eu falo com os professores sobre neurociência, resiliência, da diferença entre
uma criança que pode passar por enormes quantidades de stress e que não acaba por
desenvolver nenhuma doença mental comparando-as àquelas que desenvolvem e, o que
podemos fazer.
No
fundo em conjunto com eles, ajudamos estas crianças a desenvolverem essa
capacidade. Explicando aos professores como o cérebro funciona em termos de
resiliência, dando-lhes algumas sugestões de coisas que podem fazer para ajudar
as crianças a desenvolver essas aptidões. Se estão preocupadas com coisas que
aconteceram no passado, ou se estão preocupadas com o futuro, ou se quando chegarem
a casa ao final do dia o pai lhes vai bater de novo. Conseguimos ensinar-lhes
pequenos truques que os impeçam de pensar no passado, no futuro e simplesmente viver
no presente. Seja concentrando-se na sua respiração, focando-se numa parte de
corpo ou até mesmo numa árvore que consigam ver através da janela.
MBC – Já teve algum retorno dos
professores com os quais trabalhou? Se viram progressos nas crianças após a
aplicação dos métodos que lhes transmitiu?
JL – Felizmente, sim. E o que me
disseram foi simplesmente fantástico. Confessaram-me que antes de falarem
comigo já tinham começado a perder o interesse no trabalho que faziam, que era muito
difícil, cansativo, o que não ajudava a escassez de recursos. Mas que felizmente
os ajudei a relembrar o motivo pelo qual o tinham começado a fazer. Em primeiro
lugar e pela primeira vez em anos estavam ansiosos por regressar à escola. Esta
é realmente a prova do melhor uso do meu tempo.
MBC
– Então o que faz é
colocar a pesquisa dos seus colegas em campo.
JL – Basicamente. O que é óptimo para
mim que não gosto muito de fazer pesquisa.
MBC - Está
a dizer-me que pega na informação deles, reúne os resultados e leva-os de volta
para que os seus colegas possam analisar os dados que recolheu, publicar artigos
e trocar informações sobre esses mesmos resultados com outros cientistas em
conferências.
JL - É melhor para mim porque não sou
o melhor pesquisador do mundo. Mas sou muito bom a ler as pessoas, a reunir informações.
É como o que faço quando escrevo. Pego em tudo o que faço tentando ter uma
visão de helicóptero sobre a situação em questão e apenas reúno as informações mais
relevantes para contar a história.
MBC – Como consegue tempo para fazer tudo
o que faz?
JL – Não tenho um emprego com
horários, um escritório para o qual tenha que ir todos os dias. Sou
eu que organizo o meu tempo e durmo todas as noites oito horas seguidas o que
também ajuda.
MBC - Para aqueles leitores que olham
para o seu livro e não sabem o que esperar, qual é o conselho que deixaria para
que o lessem?
JL – O livro é uma espécie de
aventura entre tudo o que a religião e a ciência dizem sobre a melhor maneira
de podermos viver com os sete pecados mortais, fazemos as coisas com a moderação
necessária para que sejam bons para nós. Avisando-nos, no entanto, que se forem
levados aos extremos causam graves problemas. É um livro escrito de maneira
acessível e interessante, sem a densidade da ciência nem a profundidade da
religião. Aproveitando a melhor aprendizagem e as melhores evidências que ambas
conseguem produzir, pegando no melhor das duas, juntando-as de maneira a tornar-nos
melhores.
Texto: MBarreto Condado
Fotos: Mário Ramires
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