O que nos leva a ler um livro com o
título: “O último dos Czares, Nicolau II e a Revolução Russa” cem anos após os
seus acontecimentos? Será o mistério que ainda hoje existe à volta da família
Romanov? O aparecimento de Putin como um novo imperador que tenta reunificar
esta nova Rússia?
Para sabermos as respostas a todas
estas questões fomos falar com o seu autor.
Robert John Service é um historiador
e autor britânico que tem escrito extensivamente sobre a história da União
Soviética, particularmente desde o período da Revolução de Outubro à morte
de Stalin. Actualmente é professor de história da Rússia na Universidade
de Oxford. Como autor, é conhecido por ter escrito as biografias de Vladimir
Lenin, Josef Stalin e Leon Trotsky.
Sendo eu uma curiosa pela história mundial, os mistérios
escondidos em documentos
antigos e tendo uma forte ligação familiar à Rússia
tive o privilégio de falar com o autor para tentar perceber um pouco melhor o
que o leva a sentir esta mesma atração. Porquê Nicolau II, os Romanov, a
Revolução Russa, sem nos esquecermos da carismática figura de Rasputin, odiado,
temido e incompreendido por tantos, e da sua influência sobre a família do
czar. Robert Service conseguiu fazer com que deixasse de lado as minhas ideias
pré-concebidas sobre este homem e o visse à luz dos acontecimentos sociais da
época.
Durante o tempo que amavelmente me disponibilizou tivemos
ainda a oportunidade de trocar algumas ideias sobre os momentos curiosos que
todas as suas investigações acabam por revelar. Um documento esquecido nos
arquivos de uma biblioteca que por sorte ou por estar assim destinado lhe vem
parar às mãos e que prova vir a ser de grande utilidade, uma bibliotecária que
é a única pessoa capaz de ler a caligrafia de um documento esquecido no meio de
tantos outros e que acaba por trazer à luz do conhecimento aspectos perdidos no
tempo e no pensamento. A descoberta, por acaso, de um arquivo nunca antes
estudado proporcionar-lhe-ia respostas a muitas das suas questões, mas também a
descoberta de novos temas que ficarão para já a aguardar uma resposta mais
estudada.
Informou-me que presentemente está a escrever sobre Putin, o
entusiasmo deste com os Romanov e em particular com os factos políticos,
históricos e sociais que conduziram ao trágico final de vida do último dos
czares.
Sentados na livraria Buchholz, começámos por falar sobre algumas curiosidades que envolveram Nicolau II
e das quais vos deixo aqui dois exemplos: primeiro, o facto do primeiro czar da
dinastia Romanov, Mikhail I, ter sido eleito czar pelos boiardos em assembleia
nacional no Mosteiro Ipatiev enquanto que o último czar da dinastia Romanov,
Nicolau II, era assassinado com a sua família na adega da casa Ipatiev. E,
ainda, o facto de Nicolau II ter estado 23 anos no poder e para se descer até à
adega onde foi assassinado com a sua família na casa Ipatiev ter que se descer
23 degraus.
MBC - Sabendo das questões que levanta em todos os seus
trabalhos sejam elas de foro político ou histórico, combinando todas estas
vertentes tornando-as intrigantes para os seus leitores gostava que me desse a
sua visão sobre Nicolau II, o homem, o pai, o czar.
RS – Nicolau II
era acima de tudo um obstinado,
dificilmente mudava de ideias.
Ninguém sabia realmente o que pensava ou o que
esperar dele. Principalmente aqueles com quem deveria trabalhar directamente
para governar aquele imenso país que era a Rússia. A política não lhe
interessada por esse motivo era muito pouco informado sobre o que se passava no
mundo, era militar de coração, mas era acima de tudo um homem simples. O seu
lado mais negro era possivelmente o ódio que sentia pelos judeus. Ao mesmo
tempo que era um pai e marido extremoso. Penso que teria sido mais feliz se
tivesse vivido uma vida mais simples, adorava trabalhos manuais, o contacto com
a terra. Testemunhas afirmavam que nunca o tinham visto mais feliz do que desde
que abdicara, teria vivido feliz como um homem do campo ao invés de imperador.
É verdade que era um ser humano complexo, mas afinal todos nós somos complexos,
por esse motivo achei que era minha obrigação mostrá-lo como um ser humano.
MBC – A forma como
se relacionava com os seus captores desde o primeiro dia dizia muito a respeito
dessa personalidade?
RS – Durante o seu
cativeiro em Tsarskoye Selo, Nicolau II encontrou vários livros que lia
fervorosamente sobre assuntos que até então ignorava. Falava amiúde com os seus
carcereiros sobre temas de interesse geral, sobre a Rússia, o Mundo, mas
principalmente sobre as dificuldades com que a classe mais baixa da sua
sociedade tinha que se confrontar diariamente. Foi deste modo que se apercebeu
de que vivera numa bolha até aquele momento.
MBC –Qual era o seu
maior receio?
RS –O seu maior
receio é que os comunistas os levassem para Moscovo e que o obrigassem a
assinar um qualquer tipo de acordo.
MBC - E o salvamento
porque nunca aconteceu? O seu primo o Rei Jorge V de Inglaterra nunca viria em
seu auxílio?
RS – Nesta altura
falava-se de uma conspiração entre Inglaterra, França e Moscovo
para destituírem Lenine. O governo britânico chegou a oferecer asilo a Nicolau e à sua família, mas o rei Jorge V, seu primo, revogaria a mesma por querer ficar de bem com a esquerda.
MBC - Se já tinha
abdicado porquê matá-los? Não os poderiam ter mantido sobre apertada vigilância
ou quem sabe até exílio forçado?
RS - Existiam
vários indivíduos, e estamos a falar de bolcheviques, dispostos a matar
Nicolau, com ou sem aprovação da liderança, e aqui falo de Lenine, que até à
presente data não foi encontrado nenhum documento que o envolvesse directamente
neste bárbaro assassinato. Manter o czar e a família vivos tornara-se um risco
pois as forças que o apoiavam já se tinham finalmente reagrupado e já se
encontravam perto para os libertar.
MBC – Se isso
tivesse acontecido. Se o czar e a sua família tivessem sobrevivido o resultado
seria o mesmo ou ainda hoje teríamos uma Rússia com czares?
RS – Infelizmente
nunca saberemos porque a história assim não quis.
O meu agradecimento
a Robert Service fico ansiosamente a aguardar o seu próximo livro. E à editora
Desassossego do Grupo Saída de Emergência por me terem proporcionado este
momento único de conhecimento e saber.
Texto: MBarreto Condado
Fotos: Mário Ramires
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