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segunda-feira, 23 de setembro de 2019

OS APÁTRIDAS DO PÁLIDO PONTO AZUL, de Paulo Costa Gonçalves















Há já alguns anos que, quase diariamente nos meios de comunicação, nos deparamos com a expressão “refugiados”, um pouco por todo o mundo mais desenvolvido, sob a forma de intensos fluxos migratórios deixando para trás territórios inóspitos que já só restam das outrora fascinantes e sedutoras paisagens.

Eles não são já apenas e só alguns milhares, mas milhões e contrariamente ao que pensamos, na sua maioria são migrantes/refugiados que se deslocam anualmente e fogem, não de guerras, mas de catástrofes climáticas extremas, tais como secas prolongadas, inundações repentinas, tempestades, furacões, terremotos, tsunamis, vulcões e incêndios que, em muitos casos, deixam os territórios inabitáveis para sempre ou caso a ação humana seja refreada, e deixe de levar o clima para territórios desconhecidos, por várias gerações.

Segundo uma estimativa do Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC) nos últimos 10 anos cerca de 185 milhões desses migrantes/refugiados são pessoas deslocadas, interna ou externamente, em consequência de desastres naturais. Os dados referentes ao ano de 2016, referem que dos 31,1 milhões das pessoas que se viram obrigadas a deslocar 24,4 milhões fizeram-no devido a desastres. Ou seja, o relatório do IDMC confirma que as deslocações associadas a desastres ambientais superaram os de conflitos e violência. Um outro estudo recente, da United Nations International Strategy for Disaster Risk Reduction (UNISDR), contatou que, nos últimos 20 anos, 90% dos desastres naturais estão ligados às alterações climáticas.

Ainda assim, pouca é a atenção dada à combinação dos dois principais desafios globais da atualidade: alterações climáticas e migrações.

Quantos de nós pensa que vive em cidades ou mesmo países que podem vir a desaparecer nas próximas décadas? Ou que tem a perceção que a desertificação de muitos dos interiores também se deve ao facto de a agricultura se ter tornado impraticável?

Esse cenário não é apenas uma ameaça, mas já uma realidade, em diversos pontos do planeta, tanto para as populações costeiras que sofrem não só com a subida dos oceanos, como com as infiltrações de água marinha nos seus mananciais de água doce, mas igualmente para as populações que vivem em regiões mais interiores e sistematicamente afetadas por secas devastadoras e uma contínua degradação ambiental.

Estes e outros exemplos, ainda timidamente, vão chamando a atenção para um tema que ganha “força” nos debates sobre o aquecimento global: as questões climáticas e de mobilidade humana, também apelidadas de “deslocados ambientais”, “refugiados ambientais” ou “refugiados do clima”.

Em 2015 um dos pontos positivos do Acordo de Paris foi o que respeita à inclusão dos direitos humanos no texto e a referência aos direitos dos migrantes face à mudança do clima e a adoção de medidas para enfrentar as migrações com origem nos impactos adversos das mudanças climáticas. No entanto apesar de nas versões anteriores do Acordo estar previsto a criação de um organismo de coordenação das migrações, provocadas pelas mudanças climáticas, este acabou por ser suprimido do texto final impossibilitando o que poderia ter sido uma grande conquista em termos das migrações ambientais e infelizmente nos acordos e painéis sobre as alterações climáticas vão continuando ausentes ações de maior monta, por parte de governos e sociedades, para mitigar estas deslocações forçadas. Em suma, uma contradição alarmante devido às projeções científicas que estimam deslocações em massa e nunca vista.

A falta de um consenso conceitual para designar os indivíduos que se deslocam por motivos das alterações climáticas é a maior dificuldade enfrentada, por estes migrantes/refugiados e vai muito para além das inerentes ao abandono dos seus países ou locais de origem. A expressão “refugiado ambiental” não é reconhecida pelo direito internacional com o argumento de que o termo “refugiado ambiental” poderia gerar confusão em relação aos refugiados, denominados como tal, pela Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado de 1951. Ou seja, atualmente, só é considerado refugiado aquele que é obrigado a deixar seu país devido a perseguições políticas, conflitos armados, violência generalizada ou violação massiva dos direitos humanos. Os afetados pelas alterações climáticas não se enquadram como tal.

Se hoje os líderes políticos já estão em falha com os atuais refugiados ao não legitimar, no atual regime de asilo, a procura por refúgio dos que já sofrem e cujos números são ainda bem menores, não nos devemos questionar, individualmente e coletivamente, como é que os Estados e sociedades pertentem lidar futuramente com o tendencial aumento dos migrantes/refugiados em consequência de alterações climáticas quando os especialistas preveem, no melhor dos cenários, até 2050 pelo menos mais 200 milhões?

Todos nos lembramos do filme The Terminal (Terminal de aeroporto) de Steven Spielberg (2004) que narra a história de Viktor Navorski, protagonizado por Tom Hanks, preso num terminal de aeroporto, por ter sua entrada nos Estados Unidos negada e, também, não poder retornar ao seu país de origem, a fictícia Krakozhia, que devido a um golpe de Estado o deixou sem nacionalidade.

Hoje, quais Viktor Navorski, os grandes fluxos de migrantes/refugiados “climáticos” que, também sem pátria, erram pelas estradas do mundo numa migração forçada e sem destino são uma das principais calamidades do planeta e da humanidade.

É um facto inegável que as alterações climáticas estão a ter os seus efeitos. Os exemplos, são os mais variados e vão muito além dos que nos é dado a conhecer.

As alterações climáticas também destabilizam sociedades, desencadeiam conflitos e forçam pessoas a saírem dos seus países.

Em função do que é factual urge redefinir o estatuto de refugiado, porque o que existe é redutor!

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