Todos sabem da existência do velho casarão virado para a baia. Abandonado pelo tempo e pela sua própria história. Dizem ser uma das primeiras casas construída naquele local. Porém, pouco se sabe sobre a vida de quem lá vivera, os mais velhos garantiam que eram pescadores, uns mais afoitos afirmavam que eram piratas. O que se sabe é que está abandonada há muito tempo e a sua história continua sem ser contada.
Aqueles que passam na marginal depois da meia noite juram já ter visto vultos caminhando no seu interior sob luzes tremeluzentes de velas juram até já ter ouvido vozes a murmurar um convite.
Contudo, ao longo do tempo o velho casarão acabou por tornar-se num local de romaria para os curiosos do sobrenatural.
Para surpresa de muitos, recentemente foi autorizado a um grupo específico de alunos uma visita de estudo a esta velha casa na companhia dos seus professores e do actual dono que aparecera misteriosamente uns dias antes.
No dia combinado o grupo de alunos já se encontrava parado à frente do portão de ferro forjado aguardando em silêncio. Aquela ausência das habituais conversas entre eles deixou pasmados até os seus professores. A verdade é que todos se encontravam nervosos perante o que iriam ver lá dentro. Nunca antes ninguém lá entrara. Isto era, ninguém que não pertencesse aquela família.
O sol permanecia escondido atrás das carregadas nuvens conferindo aquele local um ar muito mais sinistro do que já tinha. Algumas alunas soluçavam receosas enquanto os professores as acalmavam. Também para eles que tinham crescido naquele local aquela era uma oportunidade única de ver o que nunca ninguém vira.
O portão abriu-se permitindo-lhes a passagem, rangendo sonoramente como que empurrado por uma mão invisível.
Entraram no pátio da casa atravessando uma névoa fina quase imperceptível. A turma acompanhada pelo seu director de turma que caminhava à sua frente e a encerrar o grupo o professor de educação física.
Continuavam todos em silêncio.
Na ombreira da porta viram um vulto alto e escuro que os fez estancar o passo.
- Bem-vindos a minha casa. Façam o favor de entrar.
Aquele convite fez gelar o sangue nas veias dos professores. Soava como se ao aceitarem aquele convite nunca mais pudessem sair.
Entraram, parando no largo vestíbulo. A porta voltou a fechar-se atrás deles desta vez silenciosamente. O misterioso homem avançou até ao centro daquele grupo olhando cada um deles nos olhos:
- Como sabem esta é a primeira vez que a casa se abre para receber visitas. A última vez que foi habitada faz no dia de hoje precisamente oitocentos anos. Sei que existem muitas histórias à volta da minha família e desta casa. Pois bem estou aqui para vos matar essa curiosidade.
Os professores entreolharam-se aquela última frase não lhes tinha soado muito bem. Aproximaram-se mais daquele estranho colocando-se entre ele e os alunos. Se fosse necessário estavam ali para os proteger.
- Como estava a dizer. Vou fazer-vos um breve resumo da história da minha família e depois se quiserem podem dar uma volta pela casa e pelo jardim que fica na parte de trás. – fez uma pausa - Somos uma família de gentes do mar. Vivemos grande parte da nossa vida do que o mar nos dava e foi desse mesmo mar que veio a nossa riqueza.
- Eram piratas? – um dos alunos gritou a pergunta.
Sorriu-lhe
- Não! Nunca fomos piratas. Mas tivemos a felicidade de encontrar um tesouro.
Ouviram-se murmúrios.
- Num final de tarde depois de não termos pescado nada quando retirávamos a última rede notámos que esta trazia um peso extra. Qual não foi a nossa surpresa quando vimos uma bela mulher lá presa.
O silêncio era assustador.
- Era a mais bela mulher que já tinha visto. Trouxe-a para esta casa que na altura não passava de um casebre. Tratei dela e eventualmente casámo-nos. Nos primeiros dez anos de vida juntos tudo em que tocava se transformava em ouro, mas apesar da riqueza nunca fomos abençoados com filhos.
Suspirou parecia que lembrar-se daquela história o amargurava.
- Contudo, no dia em que celebrávamos exactamente dez anos ela desapareceu. E eu perdido com a sua estranha ausência e por não a encontrar voltei para o mar à sua procura. Ainda hoje o faço. Mas de dez em dez anos na data do nosso encontro volto sempre a esta casa na esperança de que ela tenha voltado.
Fez nova pausa.
- Por esse motivo esta casa continua e continuará aqui até que nos encontremos novamente nesta vida. Agora que já conhecem a minha história convido-vos a passearem pela casa à vontade. Está tudo como foi deixado naquela altura.
Sem dizer mais nada afastou-se desaparecendo por detrás da porta da sala.
Os professores ainda estavam meio aturdidos com o que tinham acabado de ouvir. Contudo os seus alunos já percorriam todos os recantos a investigar.
Certificaram-se que se encontravam sozinhos antes de voltarem a falar.
- Não achas estranho que ele tenha contado aquela história como se tudo se tivesse passado com ele?
- Mais estranho ainda por ter acontecido tudo há oitocentos anos atrás.
Começaram a andar através daquelas largas salas, tinham que garantir que deixavam aquele local tal como o tinham encontrado.
Estava tudo estranhamente limpo apesar de não estar habitada. O ar degradado do seu exterior não combinava com o que ali viam.
- Não te cheira a bolo acabado de fazer?
- Cheira.
- Ouves isto?
- Não ouço nada.
- Nem eu! Onde estarão os miúdos?
Não foi necessário dizer mais nada instintivamente correram na direcção de onde lhes chegava o cheiro a comida.
Quando se aproximaram do salão pararam ao ouvir a voz melodiosa de uma mulher. Da ombreira da porta não queriam acreditar no que os seus olhos viam. A mesa estava repleta de bolos, pão acabado de sair do forno, sumos. A lareira crepitava aquecendo a sala e no centro sentada num cadeirão estava uma jovem mulher. Os alunos pareciam hipnotizados pela sua presença, escutando-a atentamente.
Não ousaram mexer-se. Sentiam que estavam perante um fantasma.
Ouviram passos atrás de si voltaram-se a medo e viram o seu anfitrião parar e olhar perplexo para a mesma visão.
- Ana!
A mulher voltou-se sorrindo-lhe.
Avançou na direcção dela passando através deles. Arrancou a mulher da cadeira apertando-a nos seus braços.
- Finalmente encontrei-te
- Tenho estado sempre aqui. Vejo-te apesar de saber que não me vês.
- Porque desapareceste?
- Porque o tempo que me tinha sido permitido para estar junto de ti se esgotou.
- Não desapareças novamente por favor.
- Agora que conseguiste encher esta casa de crianças a minha má sorte acabou. Ficaremos juntos para sempre.
Os professores não queriam acreditar no que viam e ouviam.
Naquele momento tudo à sua volta desapareceu e eles …
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