Dia Quatro
O calor sufoca!
O Verão chegou finalmente!
Fechamos os olhos permitindo que a nossa mente se dirija para o mar salgado. O seu sussurro desperta-nos os sentidos. Conseguimos sentir o seu cheiro, escutar o seu dengoso enrolar na areia, arrastando consigo pedras e conchas vazias que vai depositando suavemente no areal.
De olhos fechados, sentimos a brisa fresca com que nos bafeja, com os pés imersos nas águas aquecidas pelo sol. Perdidos na imensidão que se abre à nossa frente vislumbramos velas brancas no horizonte.
Quando voltamos a abrir os olhos e nos afastamos das memórias das férias, o calor ainda asfixia! Mas a decisão está tomada.
Vamos de férias!
Com tantos locais por onde escolher a maioria dos portugueses ainda prefere o Algarve.
Os motivos são os mais diversos. Há quem diga que o faz por as águas serem mais quentes, porque o sol aquece mais, porque as noites são animadas com festas, feiras, música, jet-set (oito ou nove. dependendo do local), bronzeados dourados, desportos náuticos e, tanto, tanto mais…
Mas os tempos mudam, o clima também e, a verdade é que continua a ser de bom tom dizer que as férias de Verão foram passadas no Algarve. Quem de lá regressa até assobia e bate os dentes de excitação quando fala de tudo o que fez.
A realidade, porém, nunca é contada na sua totalidade.
Os dias são passados a tentar arranjar no meio de um mar de gente, um lugar onde estender as toalhas, evitando a sombra do guarda-sol das famílias circundantes. O som estridente dos gritos das crianças que nos entopem os ouvidos, entorpecendo os sentidos e, impedindo-nos de escutar o tão desejado som do mar. Areia projectada com o sacudir de tolhas na nossa direcção, inadvertidamente ou não, obrigando-nos a cuspir a que nos entra pela boca e a lavar os olhos com a única garrafa de água que levamos para beber. Uma bola desencabrestada que nos vem acertar em cheio na cara, deixando-nos num estado semicomatoso, olhando em volta tentando descobrir o dono de tamanha proeza.
Férias!
Descanso!
Mês de Agosto!
Combinação perigosa mesmo para os mais audaciosos.
Porém, os tempos mudam, as vontades também e as modas, …as modas, …essas acabam por ser a perdição de muitos.
Nos recentes anos, tornou-se muito jet-dez rumar ao Algarve para um qualquer aldeamento, preferencialmente com piscina e bar.
E, é no difícil momento da escolha, que temos a obrigação de dar graças pelas iluminadas almas caridosas que ainda existem na família. Aquelas de que dependemos no momento da escolha.
O que seriamos sem elas?
O auge da nossa felicidade é alcançado, quando nos arranjam um apartamento que supera todas as nossas iniciais expectativas. Três assoalhadas, kitchenette, casa de banho, pequena varanda relvada com abertura para a área da piscina, praticamente encostado à praia.
E, por este pequeno pedaço de paraíso a modesta quantia de quatrocentos e cinquenta euros (duzentos e vinte e cinco euros se conseguirmos convidar alguém para rachar a estadia durante dezassete dias). Com boa vontade ainda convidamos um amigo, que não se importe de dormir na sala.
Maravilhoso! Os milagres acontecem! E, bendita a família que tanto nos acarinha.
Arranjar quem nos acompanhe nas férias torna-se uma tarefa fácil. A dificuldade é rejeitar os inúmeros pretendentes. Afinal são só dois quartos e uma sala.
Já só temos que nos preocupar com as refeições.
E então acontece um novo milagre.
Um dos membros da nossa família ideal faz questão de tomar a seu cargo todas as nossas refeições.
Respiramos de alívio. Até porque cozinhar em férias, ou em qualquer outro momento, é enfadonho e cansativo. E afinal, férias são férias.
Menos gastos…tudo corre de feição.
Seguimos pela A1 para o nosso destino no Algarve, sem nos apercebermos que só em portagens e gasolina, gastamos o suficiente para alimentar uma família durante uma semana e, ainda nem estamos a pensar no regresso.
CHOQUE!
Afinal o apartamento não tem três assoalhadas, kitchenette, casa de banho, pequena varanda relvada com abertura para a área da piscina. O tão almejado palácio não passa de uma sala dividida ao meio por um biombo. A piscina nem se vislumbra. Para chegarmos à praia andamos pelo menos duas horas, onde com o calor começamos passados poucos minutos a ver miragens. Sem falar que ainda temos que regressar.
As refeições diárias, passam de faustosas, a bolachas de água e sal com um copinho de leite frio. Felizmente o minúsculo frigorífico funciona. Apesar dos estranhos ruídos que lembram uma velha locomotiva a carvão, o som que nos embala durante todo o dia e noite.
Quem se responsabiliza por nos encher o bucho, desaparece misteriosamente por motivo de trabalho. Porque como todos sabemos o maior problema das férias é exactamente o excesso de responsabilidade patronal que levamos na bagagem.
E, como com a promessa do paraíso, vem sempre a maçã envenenada. Ao sétimo dia, numa estranha analogia com a criação do Mundo. É-nos apresentada à laia de merceeiro, de lápis gasto e guardanapo de papel, numa das mesas da famosa piscina do aldeamento, a quantia de quatrocentos euros a pagar por cabeça. E, ninguém melhor para fazer a bendita conta com os devidos acertos a pessoa cujo trabalho não lhe dá descanso.
As Férias chegam ao fim. Felizmente, enquanto ainda temos dinheiro para regressar, para as portagens e a gasolina.
Voltamos com o nariz queimado pelo excesso de cloro da piscina. Meios surdos com os gritos das crianças. Com dores em partes que desconhecíamos do nosso próprio corpo, pelas raras vezes que tivemos a felicidade de encontrar cadeiras para nos sentarmos durante o tempo que ali passámos.
O calor sufoca!
Mas nada sufoca tanto como a honestidade e presteza da nossa família ideal.
Bem-haja!
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