quinta-feira, 28 de novembro de 2019

CAPILANO, de Fernando Teixeira















“De repente, ali estava ela, a famosa ponte suspensa e a expressão facial de Tracy passou num ápice do regozijo para o pânico. Não é nada de especial, dissera o marido. Pois.

– Não estás a pensar que eu vou atravessar isso, ou estás? – perguntou, virando-se para Paul, ela com os olhos muito abertos, ele com um sorriso malicioso. – É que, nem penses!

– Qual é o problema, Tracy? Agarras-te bem. Vê só quantas pessoas estão a atravessar a ponte.

– Anda lá, mãe! – gritou Kevin. – Vai ser muito giro!

Com 137 metros de comprimento, a Capilano Suspension Bridge atravessava o Rio Capilano a 70 metros de altura daquele. Tendo sido originalmente construída em 1889, a ponte foi totalmente reconstruída em cinco dias, no ano de 1956.

– Anda lá, Tracy. Vamos! – insistiu Paul. – Agarras-te a mim. Não tenhas medo.

– Vem, mãe! Vem! – gritava Kevin, que já tinha começado a descer os degraus que antecedem a ponte.

Um vigilante, dentro de uma guarita, apercebendo-se do que se passava, voltou-se para eles, sorrindo. A quantas cenas daquelas, ele não assistiria todos os dias?

Por fim, Tracy respirou fundo e talvez aquele ar puro, enchendo os seus pulmões, lhe tenha dado coragem, pois começou a descer os degraus atrás de Paul que a segurava por uma mão. Quando chegaram à ponte propriamente dita, Tracy segurou-se firmemente com a outra mão ao cabo de aço que, um de cada lado da ponte, garantia a suspensão da mesma e estava ligado ao passadiço por uma rede de protecção lateral. Ela nem acreditava no que estava a fazer!

Começaram a atravessar a ponte cautelosamente. Pouco mais de uma dezena de metros andados e até Paul começava a ficar um pouco impressionado com a altura a que estavam do solo, sobre as copas das árvores, mas não podia dar essa sensação de insegurança à esposa, porque ainda estavam bem longe do meio da travessia e ele queria chegar ao outro lado. Como circulavam várias pessoas na ponte, esta abanava consideravelmente, o que deixava Tracy à beira de um ataque de nervos. Essa oscilação impedia que os transeuntes conseguissem avançar em linha recta, dando a cómica impressão de que todos se encontravam ébrios e ainda nem sequer eram horas de almoço.

Quando chegaram sensivelmente ao meio da ponte, o cenário era avassalador e a altura também! A setenta metros acima do rio, ouvia-se o rumor das águas em baixo, o murmúrio do vento nas árvores e a chilreada dos pássaros. Quando as restantes pessoas se afastavam, só se ouviam esses sons da natureza. Olhando em frente, a paisagem do canyon do Rio Capilano, com as suas águas revoltas correndo entre margens escarpadas revestidas de imponentes árvores coníferas, era magnífica. Paul imaginou a liberdade que os pássaros deveriam sentir, voando num cenário assim tão belo, sem qualquer medo das alturas… No entanto, eles eram humanos e a sensação de insegurança era máxima, sentiam-se a flutuar no vazio, ligados ao mundo físico apenas por aquele estreito passadiço oscilante. Tracy nem se atrevia a olhar para baixo. Foi aí que Kevin, já esquecido da resistência que a sua mãe oferecera para atravessar a ponte, teve uma ideia brilhante que qualquer adolescente teria, mas que a deixou em estado de choque: começou aos pulos.

– PÁRA, Kevin!!! – gritou a mãe, com os olhos quase a saltarem das órbitas.

Paul ficou com a percepção de que alguns pássaros tinham saído das árvores nas imediações, esvoaçando assustados com o grito de Tracy. Sentiu-se um pouco embaraçado quando viu que várias pessoas olhavam para Kevin e para eles com ar reprovador, pelo que lhes fez um breve aceno com a mão, pedindo-lhes desculpa pela acção do filho.”

in Não Poderia Ter Sido De Outra Forma

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