Eram oito horas da manhã quando cheguei a Alcobaça a convite da Câmara Municipal para participar no festival Books & Movies. Dirigi-me à Biblioteca Municipal atravessando a pequena ponte sobre o rio Alcoa.
Almocei no restaurante Frei Bernardo em excelente companhia onde entre diversas iguarias pude degustar alguns dos tentadores doces conventuais. E onde fui simpaticamente convidada para um final de noite que se veio a comprovar deveras reconfortante à lareira a ouvir falar bom português.
Mas foi naquele final de tarde sentada na esplanada da pastelaria Alcoa defronte para o Mosteiro enquanto bebericava um sumo de laranja natural e comia uma torrada que dividi com uma pomba, duas…três não paravam de chegar. Passado pouco tempo perdi-lhes a conta, mas a minha mesa parecia a escadaria da catedral de S. Paul, só lá faltava a Mary Poppins a cantar “feed the birds” e da minha torrada tão estoicamente dividida não sobraram migalhas para me reconfortar o queixoso estômago.
Pude reparar que os últimos turistas abandonavam o Mosteiro quando pouco passava das dezoito horas, descendo a escadaria principal caminhando na direcção de um falso rei que se passeia por ali tentando cativar a atenção e possivelmente algumas moedas em troca da sua imagem.
Levantara-se uma leve brisa outonal que me parecia querer beijar como se de um velho amigo se tratasse e nesse momento como que enxotadas por uma mão invisível as pombas levantaram voo na direcção do campanário desaparecendo. O falso rei prostrou-se de frente para a velha escadaria do Mosteiro, levantou a sua espada e fez uma vénia em sinal de reverência também ele se despedindo com o respeito que aquele local inspira. Mas foi quando o véu da noite começou a descer lentamente sobre as suas frias paredes de pedra que reparei que lá de dentro alguém observava. Abri e fechei os olhos só podia ser aquela parca luz a pregar-me partidas. Quando voltei a olhar lá estavam pequenos vultos por detrás das janelas do andar superior olhavam sem ser vistos ou assim julgavam. Pareciam querer garantir a calma daquela noite.
Olhei em volta todos pareciam ignorar o que ali se passava, aparentemente só eu os via.
Levantei-me da minha cadeira e caminhei na direcção do solar da cerca do Mosteiro, nesse momento vi-os colocarem os fortes capuzes e desaparecerem tão misteriosamente como tinham aparecido. Sei que não imaginei, que não era a minha fervilhante imaginação a inspirar-me para outra história com seres imortais, tenho a certeza que os vira e apesar de saber que quem me observava estava vivo sem viver sabia que podiam já não se ouvir o bater dos seus corações, mas continuava-se a sentir o calor das suas almas.
No final da noite voltei a fazer o caminho de volta atravessando aquele longo terreno de terra batida àquela hora quase deserta. Parei perto da escadaria olhando para as janelas onde antes vira os misteriosos vultos e nada. Voltei-me para partir quando pelo canto do olho me pareceu ver algo mover. Desta vez e bem nítido pude vislumbrar uma linda mulher loira que me saudava sorridente, aproximou-se por detrás dela um homem que a abraçou protector enquanto também ele me olhava. Soube quem eram mesmo sem se terem apresentado. Baixei a cabeça discreta, mas respeitosamente e recomecei a andar.
Senti passos seguirem-me a uma distância segura, mas nunca me voltei, sabia que quem o fazia não estava realmente ali e que vinha a mando do seu Senhor para garantir que chegava em segurança ao meu destino.
Só quando me sentei dentro do carro e liguei a ignição soube que me encontrava só. E ao sair de Alcobaça voltei a atravessar um espesso nevoeiro sabendo que deixava para trás algo que era só meu, aquele momento.
Lembrei-me de uma frase do escritor alemão Heinz Konsalik: “O Amor é mais forte do que a Morte” e Pedro e Inês eram prova disso afinal continuavam a viver e na sua morte tinham encontrado o seu “viveram felizes para sempre”.
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