Era uma vez um rouxinol que defeitos teria, mas cuja alegria animava as suas asas de tal forma que apenas os olhos brilhantes traíam os seus medos e as suas inquietações.
Era uma vez um rouxinol que estendia as suas asas ao sabor do vento e da terra que tão bem conhecia e estimava, e que com elas cobria de sorrisos quem com ele se cruzava e parava para reparar na vida que lhe cobria os passos e os sonhos.
Era uma vez um rouxinol que fazia parar e sorrir todos aqueles que o ouviam cantar.
Dizem mesmo que contava histórias, histórias das suas aventuras e das peripécias que a vida lhe entregava. Mas o que ele gostava mesmo era de cantar, cantar para aqueles que lhe queriam bem, o que lhe dava realmente prazer era partilhar os dons que a vida lhe entregara com a família que escolheu. E como a verdadeira família o apreciava, mesmo aqueles que apenas de vez em quando conseguiam vê-lo. Afinal de contas, não existe distância dentro do coração. E não existem passos que suprimam os laços.
Como é que eu sei tudo isto?
Porque não eram penas que lhe cobriam o corpo, e as suas canções mais bonitas agraciavam o mundo não pelo bico de passarinho, mas pela gaita de beiços que não era mais, afinal, do que uma extensão de si mesmo. E como gostávamos de nos deixar levar pelas suas canções. Como nos faziam genuinamente sorrir.
Um dia, o rouxinol da nossa história decidiu que estava na hora de se despedir de nós. Passara os últimos tempos dentro de uma gaiola pequena demais, e perdeu as suas canções. A juntar a isso, do outro lado do véu que separa os mundos havia alguém que o esperava. E também do outro lado do véu aguardava a sua liberdade.
A jaula abriu-se, e o nosso rouxinol respirou fundo. Respirou fundo e piscou os olhos porque de repente, uma luz intensa surgiu à frente do pequeno bico ansioso, ofuscando-o durante uns momentos. Mas depois, a luz mostrou-lhe o que o esperava do outro lado do medo, e ele deixou-se finalmente ir. Bateu as asas pela primeira vez em muito tempo e lançou-se no ar. Livre e renascido.
Dá um beijinho à tia, por favor. Até que nos encontremos de novo.
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*Ao meu tio avô Manuel Osório. As canções do espírito nunca se esgotam, nem aquelas que são tocadas com mestria na gaita de beiços.
Vanessa Lourenço
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