sábado, 9 de novembro de 2019

VELOCIDADES, de Fernando Teixeira















É vê-los, velozes, como que querendo agarrar a vida num mundo a fugir… Com a mesma celeridade, vivem a vida a correr, alcançam objectivos, cumprem metas. Foge-lhes o mundo, num intervalo de tempo que se encurta cada vez mais. Por isso, aceleram na vida, no trabalho, na estrada, procurando chegar antes do tempo previsto, encurtando o tempo da viagem.

Não foi para isso que se fartaram de trabalhar, que cumpriram as metas estabelecidas, quiçá foram além delas? Finalmente, deram a si próprios o prémio mais cobiçado: aquela máquina potente que é a menina dos seus olhos, motivo de orgulho maior! Sorriem ao pensar no olhar de cobiça de colegas, dos vizinhos e de amigos… Ah pois, não é para todos!

Com o mesmo sentimento de exclusividade, fazem-se à estrada, viagem após viagem, sozinhos ou acompanhados. Com a família, muitas vezes. A adrenalina invade-lhes as veias, a potência da sua máquina inebria-lhes o cérebro e sentem-se superiores. Incólumes. E aceleram!

A estrada é deles, sentem-na como sua, como se tivessem mais direitos ou direitos especiais sobre os restantes cidadãos viajantes. E mostram-no. Ainda vêm longe, mas já sinais de luzes anunciam a sua chegada, vertiginosa, a algum condutor mais afoito que tenha ousado fazer uma ultrapassagem e ocupado indevidamente a via esquerda que consideram exclusivamente sua. E, se os sinais de “máximos” não forem suficientes, logo reforçam a intenção e revelam a sua urgência accionando o pisca-pisca esquerdo, muitas vezes ligado durante quilómetros. Para quê desligá-lo?

É vê-los passar, velozes, como que querendo agarrar a vida num mundo a fugir… Mercedes, Audi’s, BMW’s… símbolos das metas que alcançaram no trabalho e na vida. Condutores de primeira, pé pesado! E outros também, aqueles que não se podem dar a tais luxos, mas que os querem imitar, que o português não gosta de ficar atrás! Seguem igualmente velozes, numa correria desenfreada contra o tempo, contra os egos, contra a racionalidade.

Cegos pela adrenalina e pelo prazer de se julgarem superiores, quando não após terem ingerido bebidas alcoólicas, nem se lembram que, se embaterem a 180km/h num veículo que se coloque subitamente à sua frente, circulando a 100km/h, é como se embatessem a 80km/h num obstáculo fixo. Ilusão, é pior! A 80km/h talvez conseguissem travar ou, em caso de um embate ligeiro, controlar a sua viatura. A 180km/h é pouco provável…

Não faltará quem ache que estou a armar-me em moralista. Confesso que também já tive mais sangue na guelra. Já conduzi mais veloz do que conduzo há uns anos a esta parte, desde que há 18 anos fiz uma viagem ao Canadá e reconheci a disciplina e o civismo de um povo que é ensinado a cumprir regras, nomeadamente a não ultrapassar a velocidade máxima de lei nas estradas. Percorri, então, dezenas de quilómetros a ver os mesmos veículos à frente e atrás, tranquilamente, fossem carros topo de gama ou de gama inferior. A lei é igual para todos! Conduzi milhares de quilómetros durante um mês, muitos em faixas de rodagem com quatro vias, e não vi um acidente. Porquê? Porque lá, como noutros países civilizados, obriga-se os cidadãos a cumprir a lei. Porque o civismo tem de se impor. Vim dessa viagem transformado, diferente. Desde então, a minha velocidade de conforto nas auto-estradas é 110km/h (velocidade estabilizada no GPS, talvez mais 4-5km/h no painel de instrumentos).

Em Portugal, os números da sinistralidade rodoviária são alarmantes. Todos os anos! Sei que a velocidade não é a única causa dos acidentes rodoviários; também as manobras perigosas, as distracções, o cansaço, a ingestão de bebidas alcoólicas, o estado de muitas estradas, a falta de civismo são responsáveis por tal sinistralidade. Porém, a velocidade exponencia todos os outros factores.

É vê-los passar, velozes… E de repente acontece, naquele fatídico segundo que ninguém previu. Encurtaram a viagem. O mundo fugiu-lhes debaixo do pé que acelerava! E não agarraram a vida…

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