A feira
era um animal vivo, pulsante, nas suas cores garridas e odores fortes a fumo, a
maçãs doces e a assado, proveniente de uma tenda mais distante e mais rica,
cujos ganhos nessa noite iriam ser, seguramente, avultados.
A hora,
não era ainda a de maior movimento.
Todos
quantos tinham as suas tendas montadas nessa noite esperavam que a população da
vila próxima acorresse aos espectáculos e diversões com os cobres e pratas nas
suas bolsas de cintura, dispostos a esbanjar no que os havidos olhos pousassem.
As
crianças eram as mais fascinadas por tudo o que encontravam pela frente e que
raramente tinham oportunidade de ver.
Os mais crescidinhos
escapuliram-se por entre as tendas, tentando ver o que se passava lá dentro sem
ter que despender os preciosos tostões que possuíam.
Eram um
grupinho de sete crianças, que contava com três meninas, tendo todos eles
idades aproximadas.
- Ouvi
dizer que havia robertos, e teatro, e…
- Já sei
de tudo isso. Já repetiste um ror de vezes…
- Pois sim,
agora se vamos ou não conseguir ver alguma coisa, isso é outra história!
Mais
pragmático, o mais velho seguia em frente implacavelmente.
Por fim,
lá deram com o recinto onde estava montada a apresentação dos robertos.
Em frente
da barraca dos robertos, estavam armados uns quantos bancos corridos e,
por trás daquela, havia um pano escuro que assegurava a privacidade aos
artistas.
- Não
podemos ir para os bancos. Tínhamos que pagar. Ficamos cá atrás, vemos bem na
mesma.
Assim
fizeram. O mais velho indicou aos outros um local com boa visibilidade. Ficaram
em pé, junto do restante público, que havia muito quem não tivesse dinheiro
para gastar.
As vozes
finas das marionetas movidas dentro da barraca pelos seus animadores, só por
si, faziam o público rir. A história era disparatada e ainda fazia rir mais.
No meio
das gargalhadas, o mais novo apercebeu-se de diversos personagens com as caras
pintadas, que circulavam por entre as crianças mais novas sem que estas se
apercebessem disso. Deu uma cotovelada na amiga que tinha ao lado e apontou-lhe
com o queixo o individuo que se tinha acercado de uma menina pequena, acabando
por a levar com ele.
A companheira
arregalou os olhos e, por sua vez, fez sinal a quem estava mais próximo de si.
Num instante, ficaram todos em alerta.
- E agora,
fazemos o quê? – Perguntou um, com um sussurro.
- Vamos
seguir um deles para ver para onde vão.
Assim
fizeram.
A noite
tinha caído, entretanto.
Escondendo-se
pelos cantos das barracas, aproveitando as sombras mais escuras, conseguiram
não perder de vista a personagem de rosto pintado.
Acabaram
numa ponta da feira, num local sem feirantes, apenas com uma grande e escura
tenda montada.
Fazendo
sinais uns aos outros de silêncio, mantiveram-se imóveis durante longo tempo,
tentando ouvir o que se passava no interior.
Conseguiam
ouvir vozes abafadas e acabaram por se aproximar mais na tentativa de saber o
que diziam.
- Por hoje
já chegam. Não podemos dar nas vistas.
- Sim,
temos de levantar a feira de manhã, e seguir viagem. Vão vir por eles na certa.
- Este
lote vai render bom dinheiro no mercado de escravos.
- Sim,
querem sempre quem limpe chaminés. São muito morrediços…
Como tendo
dito uma piada, soltaram uma gargalhada em simultâneo.
Só tiveram
tempo de se esconder melhor, ao vê-los sair.
- Vamos
tirá-los dali!
- É para já!
- Estás à
espera de convite?
Sempre de
corpo dobrado, esgueiraram-se sob a aba da tenda, ficando imóveis por momentos.
Passado um
instante, os olhos habituados à pouca luz, já conseguiam distinguir os pequenos
vultos, amarrados e amordaçados. Rapidamente trataram de começar a soltá-los,
instando-os ao silêncio e a que ajudassem a soltar os restantes.
- Agora
temos de voltar…
- Pois,
agora temos de ter muito cuidado para não dar de cara com nenhum deles.
- O melhor
é separarmo-nos, cada qual fica com um grupo mais pequeno e vai por um lado
diferente.
-
Encontramo-nos em frente da igreja. É suficientemente distante da feira.
Lá foram
saindo, uns quantos de cada vez, os nervos a tomar conta de todos quantos
ficavam para trás.
Por fim, o
último grupo saiu também, rápidos que nem ratos.
Ofegantes,
reunira-se com os amigos.
- O
melhor, é irmos de casa em casa e entregarmos as crianças. Os pais têm de saber
o que se passou.
O dia não
tinha ainda raiado, quando um grupo de homens e mulheres armados de varapaus e
forquilhas desmantelaram, à paulada, aquilo que na noite anterior fora a feira
que visitou a vila naquele ano.
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