Deixou-se cair na cadeira com o entusiasmo de quem ouve o tiro de partida e arranca, munido do desejo de deixar cair limites e rótulos alheios. Respirou fundo, fitou o monitor com os olhos brilhantes e acariciou com ternura o teclado com as pontas dos dedos. No silêncio, demorou-se ainda a vaguear pelo potencial infinito do mundo que estava prestes a criar, o que sentiria quando tivesse nas mãos a obra nascida do seu trabalho? O que sentiria quando a visse finalmente nascer? Estaria o mundo lá fora, disposto a aceitá-la?
Sorriu, talvez sem sequer se aperceber. Franziu as sobrancelhas, respirou fundo e acendeu um cigarro. Fechou os olhos e disse, de si para si mesmo:
- Mostra-me.
Durante um bom par de minutos, nada aconteceu. O cigarro apagou, a folha de word em branco teimava em fitá-lo com desdém, e começou a sentir-se frustrado. Levantou-se da cadeira, esticou pernas e costas e foi beber um copo de água. Voltou. Sentou-se. Acariciou de novo o monitor com as pontas dos dedos:
- Mostra-me.
Silêncio.
Mexeu-se desconfortavelmente na cadeira, fitou as mãos sem realmente as ver e pousou-as de novo no teclado. Quando se preparava para se levantar de novo em busca de coisa nenhuma, ouviu a Fonte dizer:
- O que queres de mim? Porque me chamaste?
Não ficou surpreendido, nem sequer estremeceu. Conhecia bem a Fonte de outras aventuras, e sabia como podia ser caprichosa:
- Tu sabes o que eu quero. Tão bem como sabes, que não vou suplicar.
A Fonte vangloriou-se:
- Foste um bom aluno.
Esfregou demoradamente a cara com as mãos, fazendo os óculos saltar. Suspirou:
- Ajuda-me a deixá-los entrar. Posso mostrar-lhes o caminho, mas precisam da tua luz. Não te estou a dar novidade nenhuma.
A Fonte riu com prazer, e as suas gargalhadas ecoaram pela divisão fechada. Ele encolheu os ombros e suspirou, impotente. Porque tinha ela que ser sempre assim, arrogante? Finalmente, ela parou de rir:
- Onde está o teu sentido de humor? Sempre tão cheio de recursos, porque não usas uma vela? O que tem a minha luz de especial?
Semicerrou os olhos e murmurou, entredentes:
- Tu sabes perfeitamente porquê, foste tu que me desvendaste esse segredo. As velas podem iluminar o caminho neste mundo, mas só a tua luz ilumina aqueles que, de outros mundos, precisam de luz para cá chegar.
A Fonte ficou em silêncio durante alguns instantes. Tê-la-ia convencido?
Não tardou a descobrir. Uns momentos mais tarde, a Fonte replicou:
- Tu sabes como funciona: uma vez iluminado o caminho, eles vão chegar. E não poderás voltar atrás.
Ele sorriu melancolicamente:
- Sabes tão bem como eu, que a missão deles é inspirar o mundo. E só podem fazê-lo através de nós.
A Fonte suspirou longamente. Finalmente, disse:
- Nem todos estão preparados para os compreender.
Ele respondeu:
- Mas aqueles que estiverem, verão as suas vidas mudadas para sempre. Não foste tu que me ensinaste que eles não querem mudar o mundo, mas apenas abrir a porta a quem quiser entrar?
A Fonte assentiu, ele era sem dúvida um dos seus melhores alunos.
No momento seguinte, ele pousou de novo os dedos no teclado. Respirou fundo, e esperou pacientemente. Ao mesmo tempo, numa dimensão situada algures entre a nossa realidade e o nosso maior potencial, a Fonte Criativa tornou-se luz. E através dela caminharam heróis e vilões, anjos e mestres, obstáculos e verdades capazes de mudar o mundo. Misturadas com dragões e cavalos brancos, castelos distantes e grutas escuras e misteriosas. Um por um, rodearam o escritor. Alguns sentaram-se em redor da secretária, outros pousaram gentilmente as mãos etéreas nos seus ombros. E ele sorriu. Pousou os dedos no teclado, e começou a escrever.
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