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quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

CONSOADA, de Fernando Teixeira















O meu avô alguma vez lhe disse que andou perdido no meio do nevoeiro, durante a pesca na Terra Nova?, era a pergunta que lhe apetecia fazer à mãe, porém sabia que essa questão iria perturbar uma consoada que se pretendia em paz e harmonia. Não a tinha feito antes, sem que ele pudesse apontar uma razão válida para isso, apenas porque não tinha querido, e agora o bom senso pedia que esperasse um pouco mais.

Vasco tinha ido ao Dafundo buscar a mãe e com ela viajara até à Ericeira, nessa manhã, para que a família estivesse reunida na véspera e no dia de Natal. Embora a irmã tivesse frisado que não precisava de colaboração e que podia muito bem fazer tudo sozinha, o marido estava lá se fosse preciso, a mãe insistira em ir mais cedo para ajudar na preparação da consoada. Ele achava que até faria bem à mãe participar na azáfama de fritar sonhos, filhoses e rabanadas, pelo que se prontificou a que viajassem logo de manhã.

Felizmente, a casa de Teresa tinha um sofá-cama que podia ser usado pela mãe. Ele reservara quarto num hotel modesto de três estrelas, que para passar apenas uma noite não era preciso nada de especial.

Talvez falasse sobre o avô no dia seguinte. Na verdade, não acontecia com frequência estarem todos juntos e ele gostava de trocar algumas impressões com a mãe e a irmã, em simultâneo.

À falta de assuntos que pudessem suscitar algum melindre, o jantar decorreu com tranquilidade. Como ementa, o tradicional bacalhau cozido com batatas, couves e ovos às rodelas, alho picado, salsa, azeitonas e broa de milho para molhar no azeite. Uma das garrafas de vinho tinto, que Vasco levara, regava jantar e conversas avulsas. Para tornar o ambiente ainda mais festivo, Teresa colocara velas esguias em centros de azevinho artificial e acendera-as, reforçando o ar natalício da mesa. Num aparador, o presépio abençoava a reunião familiar e, a um canto, encontrava-se o pinheiro, decorado com enfeites e luzes coloridas que produziam reflexos intermitentes nos copos e nas superfícies envidraçadas da cristaleira. Junto à base do pinheiro, alguns embrulhos faziam o sobrinho Pedro ansiar por que chegasse a meia-noite.

João acendera a lareira e o calor enchia a sala e os corações.

Por breves momentos, Vasco ficou a olhar para a sua posta de bacalhau, reflectindo como agora podiam ter uma mesa farta desse peixe, ao contrário do que acontecia no tempo do seu avô que, por muito bacalhau pescasse e comesse até enjoar, durante as duras campanhas, ironicamente, não se podia dar depois ao luxo de o comprar e ter na sua própria casa, devido ao elevado preço para as suas posses.

Lembrou-se também do pai, que há oito anos faltava na mesa de consoada, e pensou que certamente cada um dos presentes estaria a sentir também no íntimo, de alguma forma, a ausência dos parentes falecidos.

Quando terminaram o prato principal, ele levantou-se e foi ajudar a irmã a levar a louça suja para a cozinha. Substituíram as travessas de comida por pratos com os fritos de Natal feitos durante a tarde, broas e um bolo-rei que a mãe comprara. Teresa tirou da cristaleira uma garrafa de vinho do Porto, uma de licor e outra de whisky.

Depois de servir a mãe e a irmã com um cálice de Porto, ele e o cunhado optaram pela bebida de malte. De vez em quando, Pedro consultava o relógio para ver quanto tempo ainda faltava para a troca de prendas.

Finalmente, chegou o momento da noite mais desejado para o sobrinho. A sua irmã tivera o filho já ia avançada na idade dos trinta e Pedro estava a um ano de atingir a maioridade.

– Vá, Pedro, começa a distribuir os presentes! – incentivou o tio.

O rapaz levantou-se da mesa, dirigiu-se à árvore de Natal e começou a distribuir os embrulhos pelo nome da pessoa a que se destinavam.”

in Por Entre As Brumas De Newfoundland

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