domingo, 1 de dezembro de 2019

ESCOLHAS, de Cristina Das Neves Aleixo















A chuva forte fustigava os vidros das janelas, anunciando a chegada do visitante indesejável que tentaria forçar a caixilharia para entrar rebelde. Detestava vento forte. Fazia-a sempre lembrar-se de tornados, nem sabia bem porquê.

A fraca luminosidade reflectida pelo céu cor de chumbo fê-la acender o candeeiro do toucador. Emocionalmente estava tão cinzenta quanto a pintura da natureza e transpirava impaciência e incompreensão. Sentia-se miserável, zangada com o mundo, toldada pelo turbilhão de emoções que barravam a entrada à razão.

O que é que iria fazer agora? Perder o emprego e o namorado no mesmo dia não estava nos seus planos nem era fácil de digerir. A sensação de perda, de solidão e de pena de si própria eram avassaladoras. Era uma contradição viver tão rodeada de pessoas e tão só. Os prédios eram cada vez mais imponentes na paisagem, mas os seus ocupantes conheciam-se cada vez menos. Falavam e interagiam cada vez menos. Preocupavam-se cada vez menos.

Lembrou-se das muitas vezes em que tinha reparado naqueles que atravessavam as passadeiras arrastando os pés, de pescoço curvado para o ecrã do telemóvel, indiferentes a quem os olhava por detrás do pára-brisas, completamente alheados do que os rodeava. Também havia os que calcorreavam as ruas sempre em passo apressado, no mesmo trajecto diário de ida e de volta, sem se deterem um segundo que fosse para olharem para o lado para apreciarem um qualquer pormenor dos muitos que a envolvência oferecia. Recordou-se do espanto que tinha experimentado quando uma colega de trabalho lhe dissera que, apesar de não morar na cidade, trabalhava ali há cerca de vinte anos, mas não conhecia mais que o café em frente e o pequeno restaurante da esquina.

Era triste. Muito triste. A cidade era igual e diferente todos os dias. Estava viva, pulsava em constante transformação, mas as pessoas apenas a usavam. Não a viviam.

Não queria ser assim. Alguém que se arrastava pela vida, vazia de sensações.

Talvez esta fosse a oportunidade para tentar a área profissional com que sempre sonhara. Talvez esta fosse a oportunidade para ser ela própria.

Encarou-se no espelho à sua frente e sorriu pela primeira vez naquele dia. Alcançou o batom que tinha comprado na semana anterior e tingiu os generosos lábios de vermelho.

Agarrou na mala e no guarda-chuva e saiu de casa, com o espírito apaziguado e a certeza de que a forma como decidisse olhar para as coisas faria uma enorme diferença em si e no mundo.
Era tudo uma questão de escolha.

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