segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

NATAL NA TERRA NOVA, de Maria Cecília Garcia















“Foi bem diferente o primeiro Natal naquela terra. Não houve as romarias na igreja, a carne assada no forno de lenha e o pão caseiro na mesa rodeada pela família.

Mas, em compensação, o Menino Jesus foi muito mais generoso! O meu sapatinho estava repleto de brinquedos como eu nunca imaginara! D todos só me recordo de um pequeno esquilo de corda que saltitou por toda a casa durante horas a fio até a corda ficar gasta! Deixou também um grande saco cheio de vestidos e outras peças de vestuário. Contudo, a minha alegria durou pouco tempo: a maior parte das peças não eram do meu tamanho, eram muito pequenas para mim…

Perante o meu desapontamento a minha mãe explicou que possivelmente o Menino Jesus não estava habituado a comprar roupas, ou então tinha-se enganado na porta e essas prendas eram para outra menina.

Foi com grande dificuldade que ela me impediu de sair com o saco da roupa e bater na porta das vizinhas até encontrar alguma menina que, certamente, teria recebido roupas de tamanho errado...
Nos anos seguintes, ao fazer o meu pedido de Natal, junto ao endereço deixava a recomendação ao Menino Jesus para que não se voltasse a enganar ao deixar as prendas no sapatinho.”

“O último Natal era o tempo em que me deixava levar pela fantasia e me enchia de esperança e expectativas. Era o tempo em que acreditava poder obter algo que desejava e que sabia que os meus pais não me podiam dar, e embora a maioria das vezes não me deixasse exactamente o que eu tinha pedido, nunca se tinha esquecido de mim.

Nesse Natal fui mais exigente do que era habitual, decidi pedir um jogo de loto, daqueles que tem uma esfera que se faz girar e deixa cair uma bola numerada. Isto ocorreu-me desde o dia em que, na casa da família Paabola, tínhamos jogado todos juntos e passado uma tarde memorável!

Escrevi uma grande carta ao Menino explicando exactamente o que desejava, fazendo ênfase na esfera distribuidora de bolas. Nessa carta, também pedia o que meus irmãos queriam, pois eles eram muito pequenos e não sabiam escrever. Meti a carta num envelope com a minha morada, escondi-a muito bem, e fiquei à espera que os dias voassem!

Esse ano, ao contrário do que era costume, o Menino Jesus chegara mais cedo e abrimos as prendas antes da missa do galo, à qual assistíamos sempre.

Os pacotes estavam distribuídos por toda a casa, o que nos proporcionava um excitante jogo e provocava gritos de alegria cada vez que uma das caixas era encontrada. Quando descobri a caixa que tinha o meu nome, o meu coração ficou pequenino.

Pelo volume dela pude ver imediatamente que a esfera dos meus sonhos não estava lá, ainda assim, procurei por todos os recantos, talvez ela estivesse noutra caixa…, mas não, a esfera não existia…

Mas porquê, se eu me tinha portado bem?! Sim, porque quando o Natal se aproximava, eu era a menina mais obediente e mais bem-comportada do mundo! Não queria que me acontecesse como a minha amiga Natércia, a filha do feitor da aldeia que, por ser desobediente e pouco amiga da irmã mais nova, encontrou, na chaminé, junto do sapatinho, em lugar das prendas que queria, pedaços de carvão e um cinto igual ao que o pai usava para lhe dar uns açoites de vez em quando, enquanto a irmã, pequena e boazinha, recebia lindas prendas…

O meu desespero aumentava à medida que ia abrindo os pacotes! Sentia crescer dentro de mim uma grande decepção misturada com raiva e tristeza, era como uma bomba a explodir dentro do meu peito. E então me zanguei com Ele. Gritei olhando para o céu, procurando apoio nos meus pais, mas estes ficaram em silêncio, olhando-se e olhando-me, entristecidos, e eu acreditei que sentiam a minha tristeza e partilhavam o meu desapontamento.

Essa noite, pela primeira vez, não me apeteceu ir à missa do galo, fi-lo contrariada, e foi uma noite cheia de recriminações ao Menino.

Mais tarde, minha mãe fez-me ver que haviam muitas crianças que não recebiam nenhuma prenda, que eu era muito afortunada, o que me custou muito a acreditar, mas depois, já mais serena, pedi desculpas ao Menino e prometi nunca mais fazer exigências, só então me senti em paz, e… muito boazinha.

E como o tempo tudo cura, nos dias seguintes o jogo de loto, tão simples, proporcionou muita animação, mesmo tirando as bolinhas numeradas de um saquinho. E ninguém se lembrou mais da desejada esfera.

Acreditei no Menino Jesus até aos 15 anos. A minha mãe já não suportava ver-me discutir com as vizinhas que se atreviam a pensar que quem deixava os presentes de Natal era o pai. Eu sentia pena delas por não terem a sorte de serem visitadas pelo verdadeiro menino. Então ela achou por bem dizer-me a verdade.

Custou-me muito aceitar a verdade! Senti-me traída e envergonhada pela minha ingenuidade, e muito desapontada... Agora a quem ia pedir que cumprisse as minhas fantasias? Se eram os pais quem deixava as prendas, então já não havia esperança...

Nunca mais escrevi cartas nem fiz mais pedidos ao Menino Jesus e o Natal perdeu muita da sua graça.!

in História em Pedacinhos - As casas da minha infância e os temos de chá sem açúcar.  Maria Cecília-Chiado Books,2016

Feliz Natal para todos! Que todas as crianças recebam uma prenda de alegria e amor!

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