Subiu a escada estreita do prédio, os dois lances que levavam até à sua porta e à porta em frente da sua no patamar iluminado com luz fraca.
Desalentado, olhou para as mãos vazias, parando dois degraus antes, sem coragem para bater à porta.
Era um homem ainda novo, mas cujo rosto apresentava sinais de envelhecimento precoce e olhos cheios de desgosto.
Com uma figura alta e bem-apessoada, tinha tentado, uma vez mais, compor o único fato apresentável que tinha para ir candidatar-se a uma vaga de emprego.
“Lamentamos, a vaga já está preenchida. Mas ficamos com o curriculum em base de dados, caso surja algo.”
A resposta usual, com uma ou outra variante.
Com um suspiro subiu os restantes degraus e bateu na porta em frente à sua.
Lá dentro ouvia-se uma televisão a transmitir desenhos animados com grande estrépito.
A porta foi aberta, só uma nesga, de modo a deixar espreitar quem estava por dentro.
- Sou eu Dona Margarida, o Jorge.
- Todo o cuidado é pouco, sabe-se lá quem é que nos vem bater à porta depois de ser noite.
- Tem razão, o cuidado não faz mal nenhum. E o meu “terrorista”, portou-se bem?
- Ora adeus, aquilo é um anjinho. Não dá trabalho nenhum. Está na sala a ver os bonecos. E então, como é que correu desta vez?
- Já estavam servidos, infelizmente.
- Para a próxima será, de certeza!
- Pois, para a próxima…
- Vou chamá-lo, já tinha perguntado por ti, e se o Pai Natal este ano lhe traria algum presente.
Foi para dentro com um sorriso, deixando-o a olhar para as mãos vazias.
Esperou um pouco enquanto ouvia a conversa baixa dentro de casa. Depressa chegaram até ele os passos curtos e apressados do filho.
- Pai! Vi os desenhos animados na televisão da Dona Margarida e bebi um copo de leite, e portei-me muito bem!
- Olá campeão! Que tal irmos até casa? Obrigado por tudo Dona Margarida. Feliz Natal!
- Sempre que necessitares estás à vontade para o deixar ficar comigo. E pensa a sério no que te disse. Para a próxima acertas com toda a certeza. Tens de ter fé em ti e nos teus sonhos!
Olhou um pouco espantado para os olhos brilhantes que o fitavam, agradeceu uma vez mais, e saiu com o filho.
A casa pouco tinha.
Depois de a esposa ter falecido, se não tivesse o filho pequeno para cuidar podia ter enveredado por caminhos menos bons.
Em seguida tinha vindo o desemprego. Reestruturação de empresa, extinção de posto de trabalho…
Era Natal e não tinha nem um presente para dar ao filho…
Quando foi dar-lhe as boas-noites, encontrou-o sentado na cama acompanhado pelos bonecos favoritos.
- Então, hoje não se dorme?
- Sabes, a Dona Margarida hoje contou-me a história do Menino Jesus.
- Contou?
- Sim. Ela contou-me que ele consegue fazer o que mais ninguém consegue. E se tu lhe pedisses para te arranjar um emprego? Ela diz que temos de acreditar, e eu acredito em ti, pai.
Ficou sem saber o que responder ao seu filho de cinco anos.
- Está bem Miguel, vou pensar no que me disseste. Agora dorme bem. Até amanhã.
Foi para a sala sentar-se no sofá a pensar na conversa que tinha tido com o filho, em frente da televisão desligada. Como é que podia explicar que simplesmente não havia empregos. Ponto.
Deitou-se ao comprido e fechou os olhos, cansado.
Estava a caminhar por entre árvores antigas, de troncos largos e cobertos de musgo fragrante. Para onde quer que olhasse tudo era verde e florido. O ar era leve e a luz brincava por entre as ramadas mais altas das árvores. Ao longe ouviam-se risos de crianças, como quando estão numa brincadeira plena de diversão.
Viu-se em frente de uma dessas crianças, que o olhava com atenção e ar sério.
- Então Jorge, como é possível que carregues nos ombros um peso tão grande?
- Desculpa, quem és? Está sozinho? Estás perdido?
- Não Jorge, quem está perdido aqui, és tu. Não encontras o teu caminho porque perdeste a tua luz. Deixaste de sonhar, deixaste de acreditar em ti… O que é feito daquele homem que não se deixava abater por nada, que lutava sempre mesmo quando tudo parecia estar perdido?
- Quem és tu?
- Sou quem tu necessitavas encontrar. Sou os teus sonhos por cumprir. Sou o sorriso do teu filho. Sou o teu anjo da guarda. Sou o espírito do Natal.
- Sou aquele que está aqui para te lembrar que não desistas nunca dos teus sonhos, que lutes por eles, pois assim um dia vais alcançá-los. E agora são horas de acordares!
Sentou-se de repelão com o telefone a tocar.
Olhou para o relógio. Dormiu a noite no sofá… Não admira ter tido uns sonhos tão estranhos!
Chegou a tempo ao telefone, antes de desligarem:
- Estou a falar com o Senhor Jorge Almeida?
- Precisamente.
- Peço desculpa por estar a telefonar tão cedo e na véspera de Natal, mas queria assegurar-me de que conseguia apanhá-lo.
- Desculpe, mas quem fala?
- O senhor ontem veio à nossa empresa responder a um anúncio para uma vaga, mas já estava preenchida.
- Fui sim. Já não cheguei a tempo.
- Pelo contrário! O seu curriculum é precisamente o que andávamos à procura para outro lugar, que não está anunciado, de mais responsabilidade. Ficámos muito bem impressionados com as recomendações que apresentou. Posso dizer-lhe que estamos francamente interessados.
- Isto é alguma brincadeira?
- Asseguro-lhe que não. Estou a falar muito a sério. Não me diga que já arranjou outra coisa e já não está interessado?
- Estou interessado! Estou muito interessado! Claro que sim!
- Ora ainda bem! Pode passar por aqui ainda no fim da manhã?
Desligou o telefone após ter combinado a reunião, atordoado.
Na porta da sala o filho, com o urso de baixo do braço olhava para ele com um pequeno sorriso nos lábios.
- Eu já sabia! Sabes, eu pedi ao Menino Jesus porque sabia que te esquecias. A Dona Margarida diz que os desejos de Natal são sempre atendidos, em especial os dos meninos pequenos.
- Ela é uma senhora muito sábia, e afinal pode ser que o Pai Natal passe por cá também!
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