Tinha
começado a trabalhar cedo, com apenas dezassete anos acabados de fazer, logo
que tinha terminado a escola.
Empregou-se,
em primeiro lugar, no escritório de uma loja no Largo de S. Domingos, e o
contabilista, antes de a contratar, fez-lhe um tal exame que mais parecia estar
a examinar um candidato a um cargo no Banco de Portugal.
Ela,
respondeu a tudo certo e, com nervosismo. Era a sua primeira entrevista.
Trabalhou
ali poucos meses, ao fim dos quais e, para grande aflição dos pais, se despediu
intempestivamente, porque nunca teve paciência para aturar desaforos da parte
de ninguém.
Chegada a
casa e à mesa do jantar, deu a notícia aos pais.
- Hoje
despedi-me. Amanhã já não vou
trabalhar.
O pai, como
de costume, não abriu a boca, ficando a olhar, sério, para ela enquanto a mãe,
transtornada, tentava entender o que se tinha passado em concreto.
A mãe era
outra conversa. Ela, era a companheira da mãe, tinha estado sempre ao lado dela
desde que se lembrava, talvez por ser a mais nova. Sabia que a mãe
compreenderia.
A mãe,
apoiava-a sempre, ainda mais quando se tratava de coisas em que achava que
queriam prejudicar a filha ou amesquinhá-la.
- Deixa lá.
Vais ver que num instante arranjas trabalho noutro lado. - A mãe, olhou para
ela, com um olhar como que a dizer, fizeste bem, vais ter ainda melhor.
Começou a
trabalhar pouco tempo depois, de novo na baixa de Lisboa, de novo em
contabilidade que era o que tinha aprendido e aquilo em era realmente boa
funcionária. Seria, não sabia na altura, a profissão de uma vida.
Ainda não
tinha decorrido um mês quando se dá a Revolução do 25 de
Abril.
A partir
dali quem tinha trabalho, conservava-o. A todo o custo.
A partir
dali, suportou desaforos, sentiu na pele a mesquinhez de conversas murmuradas
nas costas e sorrisos enviesados.
A partir
dali, lidou com patrões abusivos e déspotas, que olhavam para a sua pouca idade
com olhos gulosos.
Os meses
passaram, uns atrás dos outros.
Um dia, à
hora saída, teve a grata surpresa de encontrar a mãe à sua espera.
- Mãe, não
tinhas dito que vinhas ter comigo. Precisas de ir comprar alguma coisa?
- Vamos
comprar alguma coisa, vamos.
- Então o
que é? Precisas de quê?
- Vamos à
perfumaria bonita. Aquela de que estás sempre a falar, comprar alguma coisa
para ti.
- Mãe, lá é
tudo muito caro!
- Uma vez
não são vezes. Vamos lá embora.
E lá
foram.
Foram
atendidas por uma funcionária prestável e sorridente que rapidamente a colocou
à vontade, respondendo as suas tímidas questões iniciais e depois mais
desenvoltas.
Saíram de lá
não com um, mas com dois cosméticos que lhe faziam os olhos brilhar e punham um
sorriso no rosto cansado da mãe.
Eram mãe e
filha, mas eram cúmplices e amigas do coração.
A autora escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
A autora escreve segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
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