Visitava-me
todos os dias, assim como tantos outros: pardais, melros, corvos, gaivotas,
falcões e até, de quando em quando, uma ou outra águia fazia a sua aparição nas
imediações da minha casa. Mas ele era diferente: aparecia no jardim todos os
dias pela mesma hora, como se provando que a natureza zomba dos nossos
ponteiros neuróticos para marcar a passagem do tempo, como que mostrando que o
verdadeiro tempo, aquele que realmente importa, se conta pelas visitas que
fazemos aos que nos são queridos, pelos momentos em que a nossa alma avança,
pelos momentos em que teimamos em escolher os caminhos que nos fazem sorrir.
Adiante.
Surgia
no meu jardim todos os dias pela mesma hora e eu nem sempre dava por ele, a não
ser quando ele decidia que a sua presença era demasiado significativa para ser
ignorada e fazia voos controlados na direcção da janela ampla: - Estou aqui! – Parecia dizer.
E
nesses momentos eu dava por ele e interrompia fielmente os meus afazeres e as
minhas deambulações por pensamentos escuros daqueles que nos limitam, e
realmente não nos levam a lado nenhum. Ficava apenas ali, sentada e muito
quieta com receio de o assustar. E ele voava mais uma vez na direcção da
janela, e depois pousava numa das estacas altas colocadas um dia para segurar
uma rede que há muito não estava ali, sobre uma luva usada para apanhar as
ervas que parecia apontar em todas as direcções, resmungando que aquele não era
realmente o seu lugar.
Ela
nunca resmungava quando o rouxinol pousava sobre ela as pequenas patas
decididas e se espreguiçava longamente, ou apenas parecia dançar sobre a
borracha que não estava no seu lugar.
Ele
nunca cantou nesses momentos, apesar de eu saber que ele tinha uma canção. Um
dia, perguntei-lhe baixinho: - Porque não cantas nestas tuas visitas ao meu
jardim?
Ele
ajeitou-se na estaca, agarrando firmemente a luva desirmanada, e respondeu: - E
quem te disse que não o faço? Por acaso consideras que todas as canções existem
apenas para serem ouvidas?
Fiquei
confusa, mas tentei não me mexer. Agitou no ar as asas pequeninas e
acrescentou, antes de partir subitamente: - Tudo aquilo que é significativo
para ti tem uma canção, mesmo que os teus ouvidos não a possam ouvir: as
melodias têm uma canção, os sorrisos têm uma canção, as visitas têm uma canção.
Mas às vezes, essa canção flutua nas tuas emoções sem emitir qualquer som, ou
navega pelas águas turbulentas do teu espírito como uma onda silenciosa que te
acalma os sentidos e te faz regressar ao teu centro, à tua luz. Compreende,
todas as canções importantes são feitas de luz. E a luz nem sempre precisa de
um som para se fazer ouvir.
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