Casamos pelo registo no último
dia de março. Tivemos que esperar até ao fim do mês para teres dinheiro para os
gastos, o pouco que eu tinha levado como "dote" já estava gasto. Foi
uma cerimónia simples e animada. Era o primeiro casamento da conservadora e ela
enganava-se continuamente. Estava mais nervosa do que nós, que tudo fazíamos
para animá-la! Acompanhavam-nos apenas os padrinhos e a tua mãe, mais tarde
jantamos todos no restaurante de um amigo teu a quem tinhas encomendado um
arroz de marisco. Estava delicioso, foi o melhor que comi até hoje.
À noite, com o mesmo grupo, fomos
celebrar para uma discoteca no Estoril, já não recordo o nome… A tua mãe não
foi.
Passamos a Lua-de-mel na terra da
tua mãe e é claro que ela foi também! Era uma casa horrível, de um familiar,
mesmo à frente do cemitério. O marido da nossa anfitriã era o coveiro. Durante
os dias que lá ficamos cansei-me de ouvir os gonzos da porta de ferro abrir e
fechar, e o som do molho de chaves enormes que ele fazia chocalhar, ao chegar a
casa.
A casa era antiga, na verdade era uma daquelas
casas que tinham servido para abrigar as cabras, cães ou vacas, o que houvesse,
e os quartos ficavam por cima. As habitações eram dividas por finos tabiques de
madeira e o chão eram tábuas de madeira também. Uma casa muito frágil e arejada
que transmitia todos os sons, todos os ruídos. Nós ocupamos o cubículo do meio,
de um lado estava o quarto da tua mãe, o outro era ocupado por um rapazito de
dessasse-te anos, algo passado da cabeça. Quando descíamos para tomar o pequeno
almoço naquela cozinha escurecida pelo fumo da lareira, ficava envergonhada com
os olhares trocistas deles. O rapazinho mais novo lançava-me olhares
embaciados.
Mas não havia café melhor,
servido em caneca de esmalte lascado, nem queijo mais saboroso feito pela dona
da casa. Passávamos o dia pelo no campo, perseguindo, ou fugindo, das cabras,
molhando os pés no riacho, ou fazendo uma caminhada até o centro da povoação.
Eu era tão feliz e tão simples, quiçá tonta seja o termo, que nada do que
acontecia ao me redor me incomodava, tudo me surpreendia.
Mas aqui para nós: diz-me, quem é que leva a
mãe para a lua-de-mel? Meu amor, a nossa união foi tudo, menos normal.
De um futuro livro…
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