Faz
hoje 50 anos que o Argus partiu para
a sua última campanha de pesca no Atlântico Norte.
Sendo
um dos mais notáveis lugres-motor bacalhoeiros da célebre White Fleet, a Frota Branca portuguesa de navios de pesca de
bacalhau à linha, é conhecido pelos protagonistas da Faina Maior, essa epopeia
marítima que levou milhares de pescadores aos mares da Terra Nova e da
Gronelândia até meados dos anos setenta, do século XX, como um dos três cisnes, o “irmão” mais novo dos
navios gémeos Creoula e Santa Maria Manuela, pela elegância e
velocidade de navegação.
Construído
pelos estaleiros holandeses Dehaan & Oerlemans, em 1939, para a Parceria
Geral de Pescarias Lda, com um desenho muito idêntico ao dos outros dois
“irmãos”, o Argus, ligeiramente mais
longo, comportava algumas alterações, como um porão de maior capacidade, e
melhoramentos na sua estrutura que o tornavam mais “valente” para o mar.
Em
1949, o capitão australiano Alan Villiers, conhecido pelas suas reportagens
sobre outras frotas para a National
Geographic, é convidado pelo embaixador Pedro Teotónio Pereira, em
Washington, em nome do governo português, para documentar a faina a bordo dos
navios bacalhoeiros portugueses, a fim de que ficasse registada uma arte que
tendia a desaparecer, a da pesca de bacalhau à linha em dóris, de um homem só
por bote no caso dos portugueses, com óbvio intuito propagandístico do regime
político vigente. Assim, na Primavera de 1950, o comandante Alan Villiers
embarcaria no navio Argus e, da
viagem, resultaria um filme e o livro A
Campanha do Argus, no original The
Quest Of The Schooner Argus, publicado no ano seguinte, o qual viria a ser
traduzido em dezasseis idiomas.
Tendo
deixado a pesca em 1970, havendo participado em todas as campanhas da pesca do
bacalhau desde 1939, ininterruptamente, o Argus
foi vendido a uma fundação canadiana, quatro anos depois, a qual, na
impossibilidade de custear a sua recuperação, vendeu o veleiro a uma empresa
americana que lhe mudou o nome para Polynesia.
Ficou a operar com fins turísticos nas Caraíbas até 2006, ano em que morre o
seu proprietário, facto que levou ao abandono posterior do navio, em Aruba.
Então, as autoridades arrestaram o navio para ser vendido em leilão. Sabendo
disso, e temendo que o antigo Argus e
a sua rica história se perdessem para sempre, a empresa portuguesa Pascoal
& Filhos S.A. comprou o navio, em 2008, para o recuperar e pôr a navegar
como pretendia com o Santa Maria Manuela.
Hoje
ainda, o Argus jaz acostado ao cais
da Gafanha da Nazaré, moribundo, sucata à espera que lhe devolvam os dias
gloriosos de navegação no mar. À espera de se juntar aos seus “irmãos”
entretanto recuperados: o Creoula,
tutelado pelo Ministério da Defesa Nacional e ao serviço da Marinha Portuguesa,
e o Santa Maria Manuela, agora
pertencente à Sociedade Francisco Manuel dos Santos, principal accionista do
Grupo Jerónimo Martins, desde Novembro de 2016. E os portugueses, nomeadamente
os nossos bravos pescadores bacalhoeiros felizmente ainda vivos, anseiam pelo
dia em que possam voltar a ver os três
cisnes sulcar os mares, juntos.
Os
actuais proprietários muito fizeram para trazer este navio para Portugal,
operação que foi bastante dispendiosa, e estima-se que o custo da sua
recuperação fique entre 15 e 20 milhões de euros. Apesar de pertencer a uma
entidade privada, o Argus precisa do
interesse de mecenas ou do próprio Estado, que parece ter dinheiro para tudo
menos para o que realmente importa. Nem é necessário mencionar os milhares de
milhões de euros que o Estado português já injectou na Banca, para cobrir
gestões danosas, basta referir que foram gastos 200 milhões em projectos para o
TGV, sem que se construísse um metro de linha férrea de alta velocidade.
Lembram-se? E não há dinheiro para salvar o Argus...
O
mítico Argus faz parte da nossa
História Marítima. Respeitar o passado deste navio e o dos homens que nele
arduamente pescaram deveria ser um desígnio nacional. Os nossos pescadores dos
dóris continuam à espera que a nação os reconheça como merecem.
O autor escreve
segundo a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
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