Tínhamos idade para ter juízo, mas depois...depois foi a
loucura total. Éramos como dois adolescentes vivendo uma paixão louca. Procurávamos todas as oportunidades
para dar um beijo, muitos beijos, ou o mais que fosse possível. Mais do que
falar de amor, começamos a senti-lo.
Testemunhas dessa loucura foram o farol da Guia, as noites na
praia do Estoril, na carruagem de Caxias... os jantares no Relento, onde punhas
manteiga em bocadinhos de pão e davas-mo na boca e eu recebia-os como se fosse
um passarinho esfomeado.
Ou quando nos esgueirávamos para um suspeito hotel da baixa e
subíamos rapidamente as escadas mal iluminadas, com o coração aos pulos
nutrindo a emoção da antecipação. Saíamos pela madrugada, esfomeados e
saciados, para tomar o pequeno almoço numa tasca que acabava de abrir.
Não tinhas viatura, mas tinhas passe e sabias
todos os horários dos comboios da linha. Tantas vezes esperamos pelo comboio
das 5,30…tu para um lado e eu para o outro!
Em poucos meses vivemos tanta vida… Nessa altura já estávamos
irremediavelmente
condenados um ao outro.
Adorava sentir-me com “dono”, protegida, e
sentia que tu também eras feliz quando estavas comigo, quando roubavas flores
de um jardim ou do quintal de uma vizinha, ou um prato decorativo de um
restaurante para mo ofereceres. Éramos era tão felizes então!
A tua força, o teu domínio, dava-me segurança,
sentia que ninguém me faria mal se estivesse contigo. Já te disse que sentir-te
meu dono fazia com que me sentisse importante? Eu, que sempre fora uma presença
insatisfeita num mundo que passava indiferente ao meu lado, sentia-me agora,
protagonista de uma história que parecia ser a minha.
Até ficava
orgulhosa quando mostravas ciúmes se algum homem olhasse para mim, ou se algum
dos teus amigos mostrasse admiração. (lembras-te como eu era jeitosa?) Ficaste furioso quando um deles fez um
comentário - Ena pá! Tu aguentas-te com aquilo? – “Aquilo” era eu, e não podia
imaginar como “aquilo” havia de ser eu.
Mal sabia que ter um dono é ser escravo, é ser
algo que não pertence a si mesmo. Mas eu ainda não sabia. Não sabia. Bastava-me
o amor que sentia, a paixão e aquela coisa que eu julgava ser amor para não
enxergar o peso do teu domínio.
Fazias-me
acreditar que essa felicidade nunca ia acabar. Por vezes pensava estar vivendo
a vida de uma outra que não eu, de tal modo me sentia feliz. Temia despertar e
descobrir que tudo não passava de um sonho e encontrar-me de novo de mãos
vazias.
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