Saí de casa naquela manhã e rodeei-me do mundo que tão bem conhecia: o ruído dos carros que corriam, velozes demais e demasiado perto; o vento que sussurrava, apressado, por entre os ramos mais densos dos sobreiros majestosos; o céu pesado onde se adivinhava a chuva que não tardaria em cair. Mas sobretudo, munida da minha expectativa latente face às surpresas e aos sinais que a vida sempre nos envia, se estivermos atentos. Num dia bom, o estado de espírito certo envia-nos contadores de histórias.
Não tinha andado muito quando o encontrei: um pequeno e bonito chapim azul, de poupa atrevida no ar e movimentos rápidos, pousado num ramo baixo a pouca distância de mim. Parecia ansioso, e ergueu ainda mais a pequena poupa quando lhe dei os bons dias:
- Bom dia, passarinho!
Saltitou ao longo do ramo e tirou-me as medidas, tão surpreendido como curioso. Chilreou:
- Costumas desejar os bons dias a todos os passarinhos que encontras, ser humano?
Encolhi os ombros, divertida:
- Só àqueles que se chegam suficientemente perto para ouvir!
Sacudiu o pequenino corpo colorido e inclinou-se para diante, na minha direcção. Chilreou:
- Sabias que sou um herói?
Ele parecia tão orgulhoso que eu dei uma gargalhada, o que o fez retrair:
- Não acreditas em mim?
Eu fiquei envergonhada, e respondi muito depressa:
- Eu não ri por não acreditar nas tuas palavras, mas porque me parece que vem aí uma história!
Ele semicerrou os olhinhos brilhantes, mas passados uns segundos pareceu decidir que eu merecia ouvir o que ele tinha a dizer. Contou:
- Acontece que existe um petisco delicioso por estas bandas que só a minha espécie sabe apreciar, um petisco que para todos os outros pode ser muito perigoso… até mesmo mortal!
Ergui o sobrolho, surpreendida, mas depressa compreendi que se referia à malfadada lagarta do pinheiro. Um toque era o suficiente para causar em animais e seres humanos danos significativos, e nos casos mais graves podia até significar a morte. Mas não para o meu chapim azul. Continuou:
- Pois é, imagina tu: o petisco mais saboroso que possas imaginar e ao comê-lo, a nossa espécie previne que outros possam sair magoados, e até mesmo que possam perder a vida! Que tal isso, para propósito de vida?
Sorri de novo, e respondi:
- E não é esse o verdadeiro propósito da nossa viagem na Terra, escolher o que faz sentido para nós e serve o bem-estar daqueles que nos rodeiam? Não é isso que nos enche o coração e enriquece a nossa alma?
Ele saltitou novamente no ramo e respondeu, antes de fazer uma pequena vénia desajeitada e desaparecer no céu cinzento:
- O teu verdadeiro propósito na Terra é aceitar que, se estás aqui, é porque a Terra precisa da tua missão de vida para avançar. E que, quanto mais fiel a ti próprio e à paz no teu coração tu te sentires, mais o caminho se abrirá à tua frente. É disso que são feitos os heróis mais improváveis, eles sabem que para ajudar os outros só precisam de seguir o próprio coração.
Vanessa Lourenço
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